Pular para o conteúdo

Ministro nega Educação como direito universal: "Universidade para todos não existe"

Em entrevista ao jornal Valor Econômico publicada nesta segunda-feira, 28, o ministro da Educação Ricardo Vélez Rodríguez, em uma frase, apontou qual será o caminho pensado pelo atual governo para o Ensino Superior brasileiro: limitação drástica do acesso, notadamente para as camadas populares. Para ele, ” A ideia de universidade para todos não existe“.

A declaração segue o padrão do atual governo de confrontar os princípios consagrados na Constituição Federal, diferente do juramento feito durante a posse, de guardar e defender a Carta Magna e os direitos nela assegurados. Diz o artigo 205 da Constituição Federal de 1988:

“A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Além de negar o acesso à universidade pública para toda a sociedade, o ministro, para quem “as universidades devem ficar reservadas para uma elite intelectual, que não é a mesma elite econômica“, atropela outra determinação assentada no mesmo artigo, que coloca a Educação com base para o pleno desenvolvimento da pessoa.

Veléz Rodríguez considera, segundo a entrevista, que o objetivo, em vez da formação intelectual não dissociada da profissional, o objetivo educacional deva ser o de prover retorno financeiro, e não a construção do aprendizado. Por isso, a ênfase deveria ser em cursos técnicos, mais céleres para alcançar esse tipo de meta, segundo ele. Com isso, o ministro desconhece inclusive a formação de ofertada na rede de institutos federais, que indissocia a profissionalização e a educação em todas as suas dimensões, como atestam os indicadores que a colocam como referência em Educação.

O ministro aponta ainda que esse foco (na formação técnica) deve servir para diminuir a busca pelo ensino superior, como se esse fosse objetivo de sua pasta, negando assim a obrigatoriedade constitucional  que deveria ser perseguida pelo Estado, através do ministério que comanda: a oferta de educação a todos como direito inalienável.

Financiamento

Além das questões já postas, a entrevista serviu para dar pistas também sobre a visão que esse governo tem sobre o financiamento da Educação Pública.

Ao tempo que diz que não se está pensando em cobrança imediata de mensalidade nas universidades federais, o ministro afirma que “é urgente reequilibrar suas contas”. A declaração pode confirmar a ideia de “parceria” com a iniciativa privada, num processo que pode ser visto como privatização disfarçada, em que a produção do conhecimento esteja atrelada a interesses das empresas e do mercado, e não a serviço da sociedade e da soberania brasileira nos diversos campos da construção do conhecimento de forma autônoma.

A ideia se adequa a declarações de outros membros do governo, como o “ministro-astronauta” Marcos Pontes, do ministério da Ciência e Tecnologia. Em dezembro passado, antes de assumir a pasta, Pontes, em cujo ministério se cogitava naquele momento abrigar as instituições de ensino superior, declarou que “A legislação tem que ser revista para permitir que universidades recebam recursos diretamente para investimentos em pesquisa, projetos, patentes que interessem às empresas“. O próprio Vélez, também já indicado naquele mês por seu “mentor” Olavo de Carvalho para comandar o MEC, declarara acreditar que a saída para a educação está na iniciativa privada (diferente do que está consagrado na Carta Constitucional).

POR UMA EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA

O financiamento é apenas uma das questões, juntamente com outras relativas à Educação (veja a seguir mais pontos levantados durante a entrevista do ministro), que deve ter o enfrentamento discutido, em todos os níveis, Educação Básica, Fundamental e Superior, de todas as esferas, estadual, municipal e federal, durante o III Encontro Nacional da Educação, que deve acontecer em abril deste ano, em Brasília.

O Maranhão já realizou sua etapa preparatória, com diversos eventos de debates, em 2018, culminando com a realização do pré-ENE em novembro último, no qual a maior conquista foi a declaração de reativação do Fórum Estadual de Defesa da Educação Pública, cuja primeira reunião de rearticulação está prevista para o dia 18 de fevereiro, no Auditório Ribamar Carvalho, na Área de Vivência do Campus do Bacanga (UFMA), no período da tarde (acompanhe o site das entidades parceiras, como a Apruma, para detalhes antes do evento): todos os que defendem a educação pública ante esses ataques estão convidados.

Macarthismo

Vélez Rodríguez é dos ministros considerados da “ala ideológica” do governo, crítico ao que próceres do grupo que hoje ocupa o Palácio do Planalto e a Esplanada dos Ministérios chamam de ideologia de gênero (na verdade uma expressão falaciosa criada pelos próprios conservadores para designar uma “realidade paralela” na qual se ensinaria, nas escolas, “menino a beijar menino e menina a beijar menina”, nas palavras de Ricardo Vélez Rodríguez ao Valor Econômico).

O “combate” à “ideologia de gênero” é uma das armas desse governo para manter em ebulição nas redes sociais seu grupo de apoiadores, em grande parte formado por conservadores de extrema direita, dispostos a banir “degenerados”, “comunistas” e outros grupos de oposição, classificados como “esquerdalhas”, “petralhas”, e outros termos desse nível, do “solo pátrio”. Como antídoto, propõem projetos de censura a educadores, como o Escola Sem Partido, que acabou arquivado na última legislatura mas que pode voltar a ser discutido no Congresso a partir de fevereiro, quando os parlamentares eleitos tomam posse.

Nesse sentido, é feita perseguição nas redes virtuais a servidores públicos, notadamente professores, e a militantes sociais.

Mas não apenas nas redes: a própria máquina estatal é colocada à disposição dessa caça às bruxas, numa “releitura” do clássico estilo macarthista, também conhecido como “caça às bruxas” (a prática, que acusava as pessoas de traição ou subversão, promovida pelo senador Joseph McCarthy, reprimiu cidadãos americanos na década de 1950, acusados de serem comunistas: muitos perderam empregos e chegaram a ser presos, especialmente professores, sindicalistas, servidores públicos).

Logo no início do governo, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni,  cunhou o termo do relançamento desse estilo de perseguição: demitiu 320 subordinados, no intuito de “despetizar” o governo. A justificativa era livrar o órgão (com indicação para que as outras pastas também o seguissem) de “amarras ideológicas“. A “despetização” foi tanta que chegou a inviabilizar o funcionamento da Casa Civil.

Logo, estava criado o termo para perseguir servidores, ainda que a acusação não se comprovasse e mesmo que a Constituição proíba esse tipo de perseguição, em seu artigo 5º, VIII (“ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política”).

Fiel ao espírito macarthista, até mesmo a checagem das postagens de servidores em redes sociais, utilizando termos como “golpe”, “ele não”, serviram para promover a tal despetização. A histeria nos altos postos da Esplanada fez com que até cadeiras fossem trocadas no Palácio do Alvorada por serem vermelhas.

Num gesto de aprovação a esse tipo de censura, setores da mídia adotaram o termo: em nota, o jornalista Ascânio Saleme, de O Globo, anunciou dia 6 de janeiro:

DESPETIZAÇÃO Estão sendo estudados no Ministério da Educação novos critérios para se conceder bolsas de estudos para pós-graduação e doutorado no exterior. O critério ideológico será eliminatório. Se não passar por este, não avançará para os seguintes. Também está em discussão a possibilidade de se interromper algumas bolsas já concedidas e com alunos em plena atividade usando o mesmo critério. O problema é como fazer isso sem rasgar contratos.

A notícia, repudiada imediatamente por várias instituições científicas, foi posteriormente desmentida pelo governo (mais um de seus recuos).

Entretanto, é explícita a perseguição ideológica, ela também anunciada como forma de manter a mobilização de seus grupos de apoiadores nas redes: o ministro Vélez anunciou “combate” a um pretenso “marxismo cultural”; o influente filho presidencial Eduardo Bolsonaro já anunciou querer banir discussões sobre feminismo. Mesmo a perseguição mais explícita, com filmagens de professores em sala de aula, atitude que conta com apoio de Bolsonaro (afirmado em entrevista a José Luiz Datena, da Band), voltou a ser liberada pela “justiça”.

Militarização

Além de todas as ameaças à Educação já elencadas, há ainda a ocupação de postos-chave no MEC (a exemplo dos demais ministérios) por militares. Segundo levantamento do portal UOL publicado no último dia 24 de janeiro, já são pelo menos seis militares de alta patente nesses postos, e outros ainda devem ser anunciados.

Foram loteados cargos como a presidência da Ebserh (general Oswaldo de Jesus Ferreira), e a direção de fundos como Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) e Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), que ficarão com o coronel da reserva remunerada dos bombeiros Luiz Tadeu Vilela Blumm, além de criada uma Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares na estrutura do ministério. Entre os objetivos anunciados para o MEC pelo governo, o fomento “à adesão ao modelo cívico-militar pelas escolas estaduais e municipais”.

Ainda durante a entrevista, semelhante a outras dadas por representantes das demais pastas (em entrevista à GloboNews, por exemplo, a ministra Damares se limitou a tergiversar mais uma vez sobre ideologia de gênero, sem explicitar o conceito – talvez porque ele não exista de fato, nem citar pretensos “teóricos” que defenderiam a corrente) nenhum plano anunciado, nenhuma medida efetiva em meio a frases de efeitos que servem para manter em ebulição a rede de apoios: entre a falta de detalhamento anotada pelo jornal, frases soltas como “menos Brasília, mais Brasil”, “as pessoas chegaram até a escola, agora é hora de a escola chegar até as pessoas”.

Em que pese a falta de anúncios efetivos, o que já foi falado e o estímulo à perseguição de educadores promovido pelo presidente, pelo ministro e pelos seus auxiliares (entre estes, Carlos Francisco de Paula Nadalim, secretário de alfabetização, presente à entrevista, tem entre os fatores de sua “fama” a acidez que destila ao pensamento de Paulo Freire) devem alertar para a necessidade de se fortalecer as redes de resistência e para que educadores e ativistas se mantenham a postos na defesa de um projeto de educação emancipador, bem como da universidade pública, gratuita e autônoma, e dos preceitos constitucionais tão atacados a cada manifestação de representantes do governo.

Agende seu horário

[bookly-form]