Teve início em dezembro de 2013 com o Seminário Local em Imperatriz, no Maranhão, e prosseguiu até a Etapa Final em maio de 2014 em São Luís, o Seminário Internacional Carajás 30 Anos: resistências e mobilizações frente a projetos de desenvolvimento na Amazônia Oriental.
O Seminário reuniu pesquisadores, militantes sociais, sindicalistas, populações tradicionais da América do Norte, América Latina, África e Europa para discutir como a população lidava com a violação de direitos advindos de atividades econômicas ditas desenvolvimentistas em suas localidades, em especial as impactadas com a implantação do Projeto Grande Carajás na Amazônia.
O foco de análise foi o olhar crítico sobre o passivo socioambiental deixado especialmente pela mineração, setor em que a Vale S.A se destaca, e a reação da população nesses diferentes espaços.
Entre a etapa inicial e a final, houve ainda seminários locais nas cidades de Marabá e Belém, no Estado do Pará, e Santa Inês, no Maranhão.
Como o destaque foi os trinta anos do Projeto Grande Carajás, teve atenção a presença da Vale nessa porção oriental da Amazônia, bem como da cadeia de empresas alimentadas por ela, como siderúrgicas e guserias, e também a presença, em boa parte desse território, dos trilhos da Estrada de Ferro Carajás, administrada pela mesma corporação que é responsável, além de desastres socioambientais como os ocorridos nas cidades mineiras de Mariana e Brumadinho, por impactos em comunidades tradicionais, territórios quilombolas e indígenas e nas periferias de diversas cidades na região(como exemplo, veja o que relatam moradores de Canaã dos Carajás, no Pará, clicando aqui), e ainda por conflitos trabalhistas no Brasil e demais países onde atua (o sindicato que representa trabalhadores da Vale no Canadá, que vinha, naquele período, de uma longa greve, participou ativamente da etapa final), bem como espionagem contra militantes e movimentos sociais, que repercutiram inclusive no Congresso Nacional.
Todo esse quadro de violações, verificado em toda a existência da empresa (há inclusive poemas de Carlos Drummond de Andrade que relatam essa atuação), intensificou-se com sua privatização em 1994 durante o governo Fernando Henrique Cardoso, quando a empresa foi entregue ao mercado.
Marcha e Ativismo
Entre as ações desenvolvidas pelos participantes do Seminário além das palestras, lançamento de livros, debates e troca de informações sobre os impactos, a realização de um ato público em frente à Sede da Empresa em São Luís e uma Marcha Internacional, denominada Nos Trilhos da Resistência, que culminou com diversas manifestações artísticas no Centro Histórico de São Luís.
Durante a marcha, representantes dos diversos continentes atingidos pela presença da empresa manifestaram-se publicamente, denunciando os impactos dos quais eras vítimas.
Mesmo com mais de mil participantes de diversas nacionalidades percorrendo as ruas da capital maranhense, a mídia local praticamente omitiu-se de cobrir o evento, o que foi denunciado pelos presentes como acobertamento proposital para que a verba publicitária destinada pela empresa aos veículos de comunicação não fosse ameaçada.
A Apruma, como dezenas de outras instituições, apoiou o Seminário Carajás 30 Anos, que contou, além de etapas locais em diversas cidades, marcha e manifestações públicas, com a realização do documentário A Peleja do Povo Contra o Dragão de Ferro, de Murilo Santos, cineasta e professor da UFMA.
Filme
Sobre a coleção de tragédias e violações de direitos praticadas pela mineradora Vale, o cineasta Murilo Santos (que também finalizou recentemente o documentário de 40 anos da Apruma, a ser lançado em breve) conversou, na última quinta-feira, 7, com a redação da Apruma. Ele (foto abaixo) citou suas impressões sobre o filme rodado entre 2013 e 2014 (e que não foi o primeiro de sua carreira sobre o tema).
Entre os destaques citados por Murilo, as aproximações entre o que ele registrou e os dois maiores desastres ambientais da História recente do país, marcados com as digitais da empresa.
Uma das coisas que mais me impressionaram foi a continuação, a manutenção de um drama. Antes de “A Peleja do Povo contra o Dragão de Ferro”, ou seja, antes do Seminário Internacional que marcou os trinta anos de implementação do Projeto Carajás, aconteceu o Seminário Consulta Carajás, em 1994, que também fez um quadro da presença da Vale nas comunidades. Naquela época fui a Açailândia, no Maranhão, e fiz várias gravações para ilustrar os debates do Seminário Consulta.
Também nesse momento gravei depoimento da mãe de uma criança que morreu nessa situação [Murilo faz referência a uma das passagens de A Peleja do Povo Contra o Dragão de Ferro, que registra crianças queimadas pela munha, que é o rejeito das guserias – fábricas de ferro gusa alimentadas pela Vale: a munha é o resto do carvão utilizado no processamento do ferro, o pó de carvão, muitas vezes em brasa, jogado em áreas próximas das comunidades].
Quando fui agora, em 2014, para gravar depoimentos para o ‘Dragão de Ferro’, eu me deparo com a mesma situação, de uma criança que felizmente não morreu, mas que também foi queimada. A gente percebe o descaso que essas empresas têm com os moradores do entorno. É a mesma situação, que continua, que permanece no tempo, que pode ser verificada mesmo depois de anos. Tudo segue. Era assim em 1994 e continua anos depois.
É como em Mariana e Brumadinho, sabe? É o rejeito. Aquilo que não presta mais, que não serve mais. É como se as pessoas merecessem morrer com aquilo que eles descartam e que não tem mais serventia para eles. É o resto que sai deles, é isso o que mata as pessoas: é a lama, é a munha… É assim aqui, é o que fez a Samarco em Mariana, é o que aconteceu em Brumadinho”, reflete.
Murilo prossegue: “A imagem do boi na lama, em Brumadinho, me remeteu à cena do cavalo queimado pela munha [registrado nos depoimentos em seu documentário de 2014]. Quer dizer, esse material que sacrifica animais, que mata crianças, é jogado, aqui, em local de passagem dos trabalhadores, por onde eles passam para ir para a roça. Não tem nenhuma preocupação”, diz.
O documentário feito por Murilo Santos registra ainda outras realidades atingidas pela Vale ao longo da Estrada de Ferro Carajás e como, nos diversos cenários, a resistência das pessoas se concretiza. Um alerta que põe em xeque a propaganda milionária da corporação veiculada nos meios de comunicação.
Veja também:
NOTA DA DIRETORIA DO ANDES-SN SOBRE O ROMPIMENTO DA BARRAGEM
EM BRUMADINHO (MG): Brumadinho: a impunidade produz mais um crime ambiental – sindicato diz não à flexibilização do licenciamento ambiental defendido pelo governo (clique para acessar o documento)