“Meu pai me contou.
Eu conto para o meu filho.
Ele conta para o filho dele.
E assim ninguém esquece“.
As palavras fortes, durante a encenação da Companhia MiraMundo na abertura da programação da Apruma para lembrar e refletir sobre os horrores da ditadura civil-militar instalada no Brasil em 1964, ecoaram no Auditório Setorial do CCH naquele 3 de abril abrindo a programação do debate Ditadura Nunca Mais, promovido pela Seção Sindical.
Mais que o auditório, as falas da performance ecoaram nas mentes presentes, que assumiram entre si, de modo coletivo, o compromisso de não esquecer, para não repetir, aquele período infeliz da História.
Além disso, estas palavras serviram como ponto de partida para as falas que se seguiram:
O professor Wagner Cabral partiu daí para chamar atenção, para além do episódio brasileiro, a necessidade de se preservar a memória dos lutadores em todos os cantos, de se enfrentar a falsificação da memória, como no caso do museu de José Sarney no Convento das Mercês, em São Luís e, também, de se buscar formas de atuação que reinventem o país e o mundo.
Para ele, esse é “o papel que cabe a nós, que defendemos a liberdade e a democracia”.
Arleth Borges, por sua vez, classificou o período de exceção como corrupto e autoritário. Para ela, a ditadura é uma máquina de destruição de vidas, de destruição de um projeto de nação. “Nos destroi até como seres humanos”, acrescentou. Nesse sentido, a ditadura e sua comemoração devem ser combatidas por representarem um regime político favorável a essa desumanização.
“Como assimilar, essa rememoração”, questionou ela.
Para explicar isso, a professora lembra que a ditadura não foi devidamente encerrada. A saída do regime, de forma lenta, gradual e segura – para quem a exercia – deixou rastros, como a militarização da segurança pública e uma Lei de Anistia condescendente.
Não foram feitas as devidas responsabilização e reparação, mesmo com a Comissão Nacional da Verdade, que não conseguiu fazer com que as Forças Armadas assumissem o estado de Terror que produziram, diagnosticou a professora.
Josefa Lopes: Comissão Nacional da Verdade e comissão da Verdade do Andes-SN para quê?
Sem delongas, a professora asseverou que é importante saber o que aconteceu com docentes, técnicos, estudantes, alvos da ditadura. Além disso, ela destacou que no ambiente universitário, além de outros setores da sociedade, houve forte resistência, chamando atenção também para o papel central da juventude nesse processo, acirrado com o Ato Institucional Nº 5 em 1968.
Mas Josefa também destacou que pensar isso não significa fazer uma reflexão restrita aos muros da Universidade, mas sim pensar na relação de professores, técnicos e estudantes com a sociedade: a Educação era o grande alvo – “não por acaso a Educação é um grande alvo do governo que está aí”, relacionou, explicando porque para o atual governo nomes como o de Paulo Freire também serem alvos. Segundo Josefa, a similaridade entre a ditadura e a atual conjuntura expressa um retrocesso civilizatório: “não por acaso ganha força a ideia que questiona o fato de a terra ser redonda”, assustou-se.
Ela apontou para a necessidade de se organizar para a luta de resistência, e a tarefa da comunidade universitária ali presente pensar nessa tarefa em relação à UFMA. Como caminho, aponta a luta pela intensificação do processo democrático nas universidades, citando como exemplo a defesa, pelo Sindicato Nacional Docente, de eleições diretas para reitores.
Francisco Gonçalves: reforma agrária e educação no centro do debate
O professor e secretário estadual de Direitos Humanos e Participação popular, Chico Gonçalves, lembrou a centralidade da luta pela educação e pela reforma agrária, expressadas, por exemplo, nas reformas de base propostas pelo governo deposto e vistas como ameaça pelos que tomaram o poder.
Ele lembrou, nesse contexto, os mortos, desaparecidos e demais crimes praticados pelos militares no período, com mais de mil lideranças rurais atacadas – entre elas o maranhense Manoel da Conceição – os milhares de indígenas mortos, com destaque para a região de construção da Transamazônica, os LGTBs que não ganharam conotação de vítimas do regime mas cujos crimes cometidos contra esta parcela da população têm relação com o período autoritário instalado no Brasil. Nesse cenário, Estados como Maranhão e Pará, zona de expansão agrícola, tiveram grande número de vítimas do regime.
Francisco lembrou o caráter civil-militar do regime, chamando atenção para a responsabilidade, em dois momentos importantes, do papel dos civis: na articulação do golpe e na transição, com José Sarney desempenhando o papel de líder civil da ditadura, como porta-voz da ditadura no Congresso Nacional.
Lembrando figuras históricas do período, o professor também deu destaque ao papel fundamental dos cristãos na redemocratização, através de nomes como Dom Helder, Dom Evaristo, Dom Ivo, o papel das pastorais sociais da Igreja Católica, as Comunidades Eclesiais de Base, a Teologia da Libertação, e movimentos como cristãos contra a ditadura e pela liberdade. Para ele, “não tem como ser cristão e ser a favor de tortura, do armamento, e fazer apologia a torturadores”.
As performances apresentadas chamaram atenção dos debatedores.
Para Francisco Gonçalves, a resistência a todo tipo de ditadura e autoritarismo deve ser política e artística. Outro ponto de destaque rememorado foi o das instituições que empreenderam a resistência à exceção. Para o professor, não é possível contar a história da resistência à ditadura no Maranhão sem citar a APRUMA e o DCE da UFMA.
Arleth sugeriu que todos devem “armar-se” de disposição para ação e alegria para enfrentar a bolsonarização, o elogio ao obscurantismo, a apologia à tortura, e o combate à uma socieddae minimamente agregada. “Esse deve ser o foco. Nossa missão, nossa luta, o central dela é fortalecer não apenas ideais de justiça e democracia, mas nos fortalecer como seres humanos portadores de dignidade para todos, sem deixar ninguém de fora, sem soltar a mão de ninguém“, disse.
“Se a gente hoje está na Universidade Pública e a gente pode se manifestar, pedir RU, pedir qualidade, a gente deve àqueles cuja história está sendo rememorada aqui hoje. É tarefa de nossa geração derrotar Bolsonaro, derrotar a reforma da previdência e todos aqueles que defendem esse tipo de ataques” (Rielda Alves, estudante de Filosofia da UFMA)
São João Batista
O professor, cineasta e artista Murilo Santos participou do momento com uma performance de São João Batista, parte de espetáculo montado por Tácito Borralho, com uma fala firme sobre a tortura (a performance, bem como a maior parte da programação, está disponível no vídeo ao final desta matéria).
O espetáculo foi muito encenado durante o regime, explicou Murilo, sob um esquema de divulgação de improviso, já próxima das apresentações, como forma de burlar a perseguição do regime.
Além de se apresentar, Murilo Santos também registrou em imagens a intensa programação Ditadura Nunca Mais – Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça, realizada pela Apruma no último dia 3. A seguir, o registro fotográfico feito pelo professor. Ao final, a programação, em vídeo quase que integral.
https://www.facebook.com/apruma.secaosindical/videos/2176465349066349/?t=8