A Comissão da Verdade do ANDES-SN e a Diretoria Nacional vem a público manifestar veementemente seu repúdio às desrespeitosas declarações do presidente da república, que em 29 de julho afirmou que “um dia, se o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto para ele”. O pai do Presidente da OAB, Fernando Santa Cruz, foi preso e assassinado aos 26 anos, por agentes do Estado sem que seu corpo tenham sido entregue à família, em fevereiro de 1974, durante a ditadura civil empresarial militar. Atualmente, existem fortes indícios de que, após a sua tortura e assassinato pela repressão, seu corpo tenha sido incinerado, junto aos de mais 10 desaparecidos, nos fornos da Usina Cambahyba, em Campos dos Goytacazes, no interior do Rio de Janeiro/RJ.
Ao atacar Felipe Santa Cruz, afirmando ter conhecimento sobre o que aconteceu com seu pai, o presidente do Brasil desrespeita não apenas a dor da família, mas os próprios valores democráticos, ferindo a ética e compactuando com crimes de lesa humanidade.
Tal declaração além de representar um desrespeito às famílias e à memória dos mortos pela violência do Estado, deixa claro como as questões relativas aos direitos humanos continuarão a ser tratadas no Brasil: com cinismo, desrespeito e desumanidade!
Manifestamos nossa solidariedade irrestrita às famílias daquele(a)s que foram morto(a)s, torturado(a)s ou desaparecido(a)s, ao longo de nossa história, especialmente durante o Golpe Militar de 1964 representados neste momento na família de Fernando Santa Cruz, pai de Felipe, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil.
Nosso apoio e solidariedade irrestritos à família Santa Cruz e a todo(a)s aqueles e aquelas que ainda buscam respostas sobre seus parentes desaparecidos durante a ditadura civil militar empresarial de 1964-1985.
# PELO DIREITO Á MEMÓRIA, VERDADE E JUSTIÇA!
# PUNIÇÃO PARA A VIOLÊNCIA PRATICADA PELOS AGENTES DO ESTADO!
Brasília (DF) 31 de julho de 2019
Diretoria do ANDES-Sindicato Nacional
Mais sobre o tema:
Fernando Santa Cruz
O pai do presidente da OAB foi um dos desaparecidos da ditadura militar (1964-1985). Em 23 de fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro, ele foi preso com um amigo por agentes do DOI-CODI, órgão de repressão da ditadura militar. Fernando era estudante de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) e trabalhava para o Departamento de Águas e Energia Elétrica, em São Paulo, além de ser integrante do grupo Ação Popular Marxista-Leninista.
Felipe tinha dois anos quando o pai desapareceu. No livro “Memórias de uma guerra suja”, publicado em 2012, o ex-delegado Cláudio Guerra afirma que o corpo de Fernando foi incinerado no forno de uma usina de açúcar em Campos (RJ).
Um registro secreto da Aeronáutica datado de 1978 fala da prisão de Fernando Santa Cruz e um atestado de óbito aponta que ele foi morto “pelo Estado brasileiro”. Outro relatório, de 1993, elaborado pelo antigo Ministério da Marinha, também confirma a prisão de Santa Cruz.
“Luta Por Justiça e Resgate da Memória”
Em 2016, o ANDES-SN publicou o Caderno 27 “Luta Por Justiça e Resgate da Memória”. Nele, estão contidos debates e relatos colhidos durante seminários realizados em diversos estados do país para esclarecer a sociedade sobre a verdade histórica desse período. Um destes relatos é de Maria Auxiliadora Santa Cruz Coelho, irmã de Fernando Santa Cruz, pai de Felipe:
“Fernando foi preso pela primeira vez em 1966 durante a passeata em Recife contra o programa MEC/Usaid. Nosso pai era médico sanitarista. O juiz telefonou informando que Fernando havia sido preso, porque ele teria dito que era menor de idade e por isso ele foi parar do juizado de menores. Meu pai ligou para o advogado, que o aconselhou sobre como deveria agir para tirar Fernando do juizado. Fernando contribuía financeiramente e dava a chave do apartamento para os membros da AP. Após seu desaparecimento, iniciamos por sua procura em quartéis, OAB, ABI, etc. Além de Fernando, tive também uma irmã presa no Rio de Janeiro. Meu irmão foi casado e teve um filho, meu sobrinho, que hoje é presidente da OAB no RJ. Meu sobrinho relatou que viveu momentos de tensão, pois qualquer guarda que via na rua imaginava ser o homem que matou seu pai. Em 1982, no rastro das cartas-bomba que matavam ativistas, participei de uma passeata, levando a foto de meu irmão. No dia seguinte, fui chamada ao gabinete da reitoria da Universidade Santa Úrsula, em que trabalhava, para me perguntarem por que eu não tinha dito que era irmã de Fernando. No final do ano, fui demitida. Continuei participando ativamente da luta pela Anistia e, até hoje, continuo militando, indo para as passeatas”
Do site do Andes; Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil