Em entrevista à Radioweb Tambor nesta terça-feira (veja íntegra ao final, a partir do minuto 24 do vídeo), véspera do Dia da Consciência Negra, a professora Silvane Magali Nascimento, do Departamento de Serviço Social da UFMA, pesquisadora, entre outras temáticas, de Relações Étnicorraciais, de Gênero, Mulheres e Feminismo, falou sobre a importância da data,do combate ao racismo e, entre outros destaques, da decisão da Justiça do Maranhão em favor da Fecomércio e da Fiema, entidades patronais do comércio e da indústria no estado, que suspendeu a lei que reconhecia o feriado da Consciência Negra no Maranhão, um dos estados de maior população negra do país.
Para Silvane Magali, essa decisão é reveladora de uma sociedade com uma concepção ainda profundamente de naturalização e banalização das desigualdades, de desconsideração da História e de sua formação sócio-histórica.
“Para militantes e intelectuais, não é apenas um feriado, é um marco na nossa História. (É) demarcar o lugar e o heroísmo da população negra na História, História que foi durante anos invisibilizada e até negada. No lugar do heroi Zumbi, tinha-se Duque de Caxias e, à medida que vamos desconstruindo a história do opressor e recontando para colocar o lugar verdadeiramente dos herois e heroínas negros, isso incomoda. Incomoda uma sociedade que ainda tem uma representação e uma percepção bastante escravocrata. De uma certa forma ligada a uma perspectiva simplesmente do lucro, de um dia que não se lucra, para uma mentalidade profundamente capitalista, isso é profundamente, claro, enfurecedor. Mas sobretudo é também a negação da negritude, desse ‘assumir’, dessa consciência, dessa visibilidade. Uma atitude profundamente racista, sim, não tem como percebê-la de outra forma. Mais uma vez mostra como o capitalismo e o racismo se reafirmam, se reforçam, se entrelaçam. É essa a representação que nós temos desse processo, dessa atitude do Judiciário”, analisou.
Para a professora, os dois lados – empresários e o judiciário – reafirmam o racismo e dizem para a sociedade que isso – o Dia da Consciência Negra – não tem importância.
Ela lembrou ainda que esse posicionamento racista e elitista não ficou sem resposta dos movimentos, que manifestaram publicamente seu descontentamento e sua indignação com esse processo.
Além disso, esse episódio que entra para a História como mais uma afronta ao Povo Negro mostra, segundo Silvane, que as desigualdades não são apenas de classe, mas também étnicorraciais, e que esses dois tipos de opressão – de classe e de raça – estão entrelaçadas:
“Quem são os pobres deste país? São os negros. Negras e negros constituindo os pobres, e não por acaso: isso é o que restou da escravidão, o não-lugar da população negra, fruto de um processo sócio-histórico, e isso incomoda à medida que a nossa consciência negra vai dizendo pra gente desse contexto, e vai dizendo para nós de um lugar que não é o da subalternidade, que não é o da escravidão; à medida que nós não naturalizamos esse processo, e que nos indignamos e resistimos a ele – e o alteramos, sobretudo”.
Sobre essas alterações advindas da resistência e da luta contra a naturalização de uma posição subalterna do negro e da negra na sociedade, a pesquisadora aponta que os dados já são capazes de mostrar essas mudanças, “que nós conseguimos sair do lugar que nos é dado como definitivo“. Mais uma vez ela lembra que a luta pela inversão desse papel incomoda os setores que se acostumaram com esse cenário, notadamente as elites – como as representadas, na questão do Dia da Consciência Negra, por empresários e magistrados.
Mesmo lembrando os avanços conseguidos nas últimas duas décadas, a professora não deixa de citar que o quadro ainda é de “muita desigualdade e racismo”.
Vitimização?
Ainda durante a entrevista, Silvane contestou o discurso racista que tenta encobrir o próprio racismo, ao sugerir que os negros se colocam, ao desvelar as práticas racistas, numa posição inferior:
“O racismo não foi inventado por nós, mas os dados mostram (que ele existe e se manifesta nas práticas sociais, na ocupação dos postos de trabalho, no desemprego, etc). Não construímos a ideia de uma raça que se pauta na desigualdade. Essa construção não foi nossa. Agora, nós vamos tendo consciência disso – e nisso consiste a ideia de consciência negra – nós vamos tendo consciência dessa desigualdade (e vamos contestando – e é isso que incomoda)”.
Ainda durante a entrevista à Tambor, a professora analisou dados do feminicídio, notadamente de mulheres negras, a objetificação da mulher, sendo a negra percebida, num contexto machista e racista, como a mulher a que a sociedade deve menos respeito ainda. Ela também destacou aspectos da identidade, as bases do racismo assentado sobre uma visão de inferioridade da população negra, a questão estética, a desconstrução dos padrões de beleza, a questão cultural, o papel relevante e histórico de instituições como o Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN) e do Grupo de Mulheres Negras Mãe Andreza nestas discussões. Para ela, “o movimento de mulheres negras desponta no fortalecimento da consciência negra”. A entrevista pode ser vista na íntegra a partir de 24′ no vídeo a seguir.
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