Nesta quinta-feira, 16, as pesquisadoras e professoras da Universidade Federal do Maranhão, Marly Dias e Silvane Magali participaram da transmissão ao vivo na página da Apruma no Facebook, apresentando uma análise detalhada das condições a que as mulheres estão submetidas no cenário da pandemia provocada pelo novo coronavírus. O vídeo na íntegra pode ser visto ao final deste texto. Além de contar com intérprete de libras, o debate teve a mediação da professora Cacilda Cavalcanti, vice-presidente da Apruma.
Marly Dias iniciou traçando um quadro socioepidemiológico do momento, destacando as medidas de prevenção do contágio, como os cuidados necessários com a higiene das mãos e o distanciamento social, o colapso do Sistema de Saúde, a inexistência até agora de uma vacina contra o Covid19 e a letalidade do coronavírus. Como exemplo deste último ponto, chamou atenção para os dados dos Estados Unidos, com mais de 2500 mortes entre a última terça e a quarta-feira. No Brasil, o agravamento da situação a partir de março, chegando a mais de 200 mortes também entre terça-feira e quarta. No Maranhão, até esta quinta havia registro de 630 casos e 34 óbitos. “Como prevenir diante de um quadro de múltiplas desigualdades, como as de classe e gênero, e as mulheres, em particular, que são a maior parte da população, e que convivem historicamente com múltiplas expressões dessas desigualdades?”, questionou.
Entre os fatores de aprofundamento dessas desigualdades, a professora destacou a cultura patriarcal, o machismo, o racismo, a própria estruturação do capitalismo, e a invisibilização do trabalho doméstico. “A pandemia escancarou essas desigualdades históricas”, apontou, acrescentando que, em tempos de isolamento social, os conflitos se exacerbam diante dessa cultura machista que objetifica as mulheres e traz preocupações no que diz respeito à violência doméstica”, que aflora nas tensões, num cenário de escolas e creches fechadas, na falta de partilha por parte dos parceiros e outros fatores. Mesmo antes do quadro de isolamento social, os dados já apontavam que o lar não é, infelizmente, ambiente seguro para mulheres e meninas, sendo um espaço, muitas vezes, de expressão de abusos e de violência que podem evoluir para o feminicídio, pontuou Marly. Dias. “Se houver arma de fogo, então, essa casa se torna muito perigosa, o que preocupa, ante as medidas do governo de liberalização das armas” acrescentou. Nesta sexta-feira, em plena pandemia, Bolsonaro aproveitou para afrouxar ainda mais as regras de controle de armas de fogo (veja link ao final).
Sobre o feminicídio, os dados dão conta de 1314 vítimas em 2019, segundo o relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Sobre a violência doméstica, a professora diz que essa é “uma dor que muitas vezes é silenciosa e que, em tempos de coronavírus, é ainda mais silenciada”.
Ela também aponta que esse é um quadro que se repete pelo mundo. No Brasil, considerado um dos países que mais matam mulheres na América Latina, a situação não é diferente, com o agravamento da situação dadas as circunstâncias deste momento.
Nesse contexto, ela destacou a importância dos canais de denúncia e de apoio à mulher, como os serviços de Disque-Denúncia e a Casa da Mulher Brasileira. Outra medida importante seria o reforço das políticas de proteção e do investimento que elas demandam.
A professora também destacou o papel da Educação. Para ela, é preciso “cobrar do poder público atuação não apenas na repressão e punição, mas também na educação que gera prevenção. Daí porque a importância de se lutar contra projetos como Escola sem partido, que tem entre seus objetivos retirar essa discussão dos espaços escolares. Temos que estar atentos e juntos, porque essa é uma luta que deve ser feita a partir de múltiplos esforços. É inadiável, uma tarefa que é para ontem, para garantir que nenhuma mulher seja vítima mais da violência de gênero. Nos respeitem!”, convocou.
Mesmo barco?
Por sua vez, a professora Silvane Magali retomou os contrastes que ficam mais evidentes no contexto da pandemia, apontando para a violência e seus recortes de gênero, de classe, de etnia.
“A pandemia é global, mas também mostra as diferenças de classe, de raça, de gênero, dos espaços sociais”, disse.
Magali também destacou o agravamento do quadro dado o processo de privatização da saúde e o avanço da desproteção social nesse cenário. “O pouco de avanços sociais de uma década foi desconstruído nos últimos dois anos”, lembrou.
Como Marly Dias, Silvane também apontou que o isolamento não trouxe consigo condições de garantir as vidas das mulheres, destacando a situação das trabalhadoras domésticas, em sua maioria negras e com um contingente significativo de idosas. Ela também chamou atenção para a dificuldade, para as mulheres, nesse contexto, de lidarem com a violência.
Em meio a esse cenário, Silvane Magali também destacou as possibilidades de recriação da vida, de novas experiências, de como as famílias podem redimensionar o trabalho no lar com a participação de todos, como a casa pode ser um espaço para propiciar uma proximidade maior e mais afeto.
Para ela, essa também é uma oportunidade para as mulheres se apoiarem, para estimularem outras mulheres a não cair no desespero, a pensar na saúde mental.
A pesquisadora também fez uma reflexão sobre o descompasso no Brasil: na esfera federal, o presidente que desestimula o papel dos gestores da Saúde; em contrapartida, nos estados, um papel muito importante desempenhado pelos gestores, que pode estimular a (re)pensar o pacto federativo. “Me causa muita perplexidade o fato de como parte da população brasileira naturaliza e até aplaude esse papel do chefe da Nação. Mas também penso na atuação dos governadores, no interessante Consórcio de Governadores do Nordeste”, ressaltou. Para ela, essa é uma oportunidade para a sociedade discutir o Estado Brasileiro, especialmente no sentido das políticas de proteção social, com atenção especial para o que no momento é urgente, mas sem deixar de pensar, também, no que é estruturante, nas políticas públicas que assegurem tranquilidade de antemão para que se suporte momentos como o atual.
Veja também:
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