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Artigo da Professora Ana Paula Ribeiro de Sousa (Campus Bacabal): Em meio a pandemia, a UFMA implementa o FUTURE-SE

Em meio a pandemia, a UFMA implementa o FUTURE-SE.

Ana Paula Ribeiro de Sousa

Professora do campus de Bacabal e membro do conselho de representantes da APRUMA (gestão 2020-2022).

 

Em um momento em que todos estão com os olhares voltados para a pandemia de corona vírus que assola o país, interrompendo a “normalidade” e obrigando a todos a se imporem um auto isolamento preventivo e muito necessário para atravessarmos com menos danos esse momento – sem dúvida de que teremos grandes consequências no pós-pandemia – o recém empossado reitor da Universidade Federal do Maranhão, Natalino Salgado, primeiro colocado na lista tríplice e na consulta prévia a comunidade acadêmica e nomeado pelo presidente Bolsonaro em novembro de 2019, já inicia, por meio de uma reestruturação administrativa, a implementação do projeto oficial que marca a atual gestão do Ministério da Educação para as IFES, o FUTURE-SE[1].

Importante ressaltar que pactuar com as políticas oficiais é uma característica que tem marcado as administrações do atual reitor, a exemplo do seu primeiro mandato, em 2007, quando seu primeiro ato foi aprovar no Conselho Universitário a adesão da UFMA ao REUNI[2], e posteriormente, a adesão do Sisu[3], assim como a adesão a EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), entidade de direito privado que passou a administrar o Hospital Universitário Presidente Dutra e o Hospital Universitário Materno Infantil.

Na sua atual gestão, Natalino Salgado iniciou um processo de reestruturação de setores importantes da Universidade, a exemplo da antiga Pró-reitoria de Pesquisa, pós-graduação e Inovação (PPPGI), a qual nos deteremos neste artigo. Rebatizada como Agencia de Inovação, Empreendedorismo, Pesquisa, Pós-graduação e Internacionalização (AGEUFMA), “tem por finalidade planejar, orientar, executar, coordenar e supervisionar as atividades de Inovação Tecnológica, Pesquisa, Pós-Graduação, Empreendedorismo e Internacionalização no âmbito da UFMA”, tendo como destaque desenvolver ações que “potencializem a capacidade empreendedora e de inovação da comunidade acadêmica, proporcionando soluções e serviços à sociedade”[4].

Dentre suas diretrizes, conforme descrito no site oficial, constam: Difundir a cultura de inovação tecnológica e proteger a propriedade intelectual da Universidade Federal do Maranhão por meio da capacitação tecnológica, registro, licenciamento e transferência de tecnologias; Articular parcerias estratégicas com empresas públicas, privadas ou setores governamentais, para o desenvolvimento de projetos e serviços científico-tecnológicos;  Promover ações institucionais de capacitação de recursos humanos em empreendedorismo e estimular o processo de Pré-incubação e incubação de empresas inovadoras de base tecnológica; Promover a cultura do empreendedorismo no meio acadêmico, bem como apoiar e acompanhar as Empresas Juniores da UFMA; Estruturar o Parque Tecnológico da UFMA, visando expansão da inovação e do empreendedorismo e a interação entre os setores públicos, universidades e empresas.

Percebe-se, de início, uma sintonia entre os objetivos e diretrizes da AGEUFMA, citadas acima, ao eixo Pesquisa e Inovação[5] presente no Programa Future-se, que visa: instalar centros de pesquisa e inovação, bem como parques tecnológicos; assegurar ambiente de negócios favorável à criação e consolidação de startups, ou seja, de empresas com base tecnológica; aproximar as instituições das empresas, para facilitar o acesso a recursos privados de quem tiver ideias de pesquisa e desenvolvimento; premiar os principais projetos inovadores, com destaque para universidades e institutos que tiverem melhor desempenho, respeitada as condições inicias e especificidades de cada um.

Como a adesão ao FUTURE-SE é voluntária e, considerando a autonomia universitária, é necessário que a participação da UFMA no Programa seja aprovada nas instâncias colegiadas superiores, o que ainda não ocorreu. Mas considerando a rejeição que o mesmo tem enfrentado nas Universidades Federais onde já foi apreciado[6], adaptar a Universidade aos princípios e diretrizes do Programa – sem o necessário debate com a comunidade acadêmica – por meio da reestruturação dos setores[7], parece ter sido a estratégia utilizada pela administração superior da UFMA para minar resistências e implementar as diretrizes do Programa sem maiores sobressaltos.

As ações da AGEUFMA no sentido de adaptar a universidade a uma “cultura empreendedora”, conforme advogado pelo Future-se, já estão em andamento. A exemplo do Mapeamento de Competências para Prospecção de Oportunidades UFMA 2020, realizado pela Diretoria de Gestão da Inovação e Serviços Tecnológicos (DGIST) da AGEUFMA, que, por meio de um formulário enviado a todos os servidores da UFMA pretende “realizar o mapeamento das competências da nossa instituição, visando divulgar os conhecimentos e competências da UFMA para a transferência de tecnologias e para a prestação de serviços inovadores que contribuirão para o desenvolvimento científico e tecnológico da região”[8]. Tal formulário deveria ser respondido por pesquisadores, laboratórios e grupos de pesquisa para descrever suas competências com potencial de solucionar demandas qualificadas de mercado.

Visando obter maiores informações sobre tal mapeamento, enviamos um email[9] para a DGIST/AGEUFMA solicitando maiores esclarecimentos sobre a natureza e as finalidades do mesmo. Recebemos como resposta algumas informações e esclarecimentos que elucidam o foco com o qual será conduzida a pesquisa na instituição, revelando a intenção de criar de fato uma cultura empreendedora e de aproximação às demandas do setor privado, conforme delineado pelo governo federal através do Future-se.

Em resposta ao email [10], fica bem claro que a diretoria “tem como carro chefe permitir, incentivar, auxiliar e dar agilidade aos processos que envolvam convênios entre o setor público, privado e sociedade civil que tenha como objetivo trazer recursos para a universidade”. Ou seja, a estratégia de autofinanciamento, conforme prevista pelo Future-se, no sentido de reduzir a participação do fundo público, é apontada como como o principal propósito do setor.

Segundo a DGIST, uma das formas de trazer esses recursos é por meio de projetos com empresas, onde a universidade recebe participação, a exemplo do que ocorre atualmente nas áreas de ciências exatas e tecnológicas. Contudo, ressalta que as demandas do setor privado tem que ser atendidas com agilidade e eficiência, o que muitas das vezes fica a desejar devido a “problemas internos para atuar nesse campo”, apontados como uma das dificuldades de se estabelecer uma relação das universidades com as empresas, a exemplo dos trâmites burocráticos necessários para a formalização de convênios com a iniciativa privada para a execução de projetos em parceria com departamentos e laboratórios da universidade, que pode levar até um ano e fazer com que a universidade não seja competitiva. E isso, segundo a DGIST “nós estamos trabalhando para mudar”.

A segunda forma de atrair recursos privados para a universidade, de acordo com a DGIST, seria por meio de prestação de serviços tecnológicos em diversas áreas (cursos latu sensu, laudos, assessorias, dentre outros), a serem oferecidos pelos profissionais e utilizando recursos da universidade (infraestrutura, laboratórios e equipamentos). Nesta ação, se insere o mapeamento de competências para prospecção de profissionais que tenham interesse em realizar a prestação de serviço, além de equipamentos e laboratórios da universidade que podem ser utilizados para esse fim, em conformidade com a legislação vigente. De acordo com o que foi esclarecido pelo email, essa seria uma primeira fase, “posteriormente a essa prospecção que terá uma segunda etapa em campo, visitando os professores, pretendemos disponibilizar os dados em uma página WEB da UFMA, um portfólio de serviços tecnológicos e os procedimentos para a contratação”.

O email informa ainda que estão sendo elaboradas duas normativas direcionadas aos dois temas no âmbito da UFMA: “a primeira, que trata da relação da UFMA com as Fundações de Apoio, permitindo maior agilidade e cobrança na execução séria e profissional dos projetos e a segunda que trata da prestação de serviços”.

Além disso, a DGIST apresenta a preocupação com os equipamentos e estruturas da UFMA que se encontram subutilizados pelos pesquisadores, o que seria um desperdício do recurso público, ao invés de produzir resultados para a sociedade. Contudo, parece ignorar que os recursos públicos para a ciência e tecnologia, que financiam grande parte da pesquisa em nosso país, estão sendo sistematicamente reduzidos[11], inviabilizando, por exemplo, a compra de materiais e pagamento de bolsas para pesquisadores para que os mesmos possam realizar pesquisas relevantes com os equipamentos e recursos existentes nas universidades. Nesse vácuo, entraria, então, o financiamento privado.

Portanto, percebe-se que um dos focos da atual gestão da UFMA, no que se refere a pesquisa, parece estar voltado a produção de conhecimentos para o mercado e a prestação de serviços, com o desenvolvimento de uma postura empreendedora, a fim de obter recursos adicionais para a Universidade, cláusulas também defendidas pelo governo federal por meio do Future-se.

Diante do exposto, questiona-se, qual o lugar da pesquisa básica, a pesquisa nas áreas de ciências humanas, sociais, artísticas, linguísticas, filosófica, que não geram resultados imediatos por meio de produtos e processos que possam atender aos interesses do mercado por soluções tecnológicas e inovações?

E a transmissão e a conservação do patrimônio cultural, artístico e científico também estão entre as funções da pesquisa na universidade, será alavancada com o mesmo afinco em tempos de restrições orçamentárias e de ataques a manutenção do financiamento público ou teremos “áreas prioritárias” que receberão maior atenção do que outras? Que ações estão sendo pensadas pela AGEUFMA para desenvolver essas áreas?

E a função pública da Universidade, não estaria ameaçada diante da pressão para atender, por meio da pesquisa e da prestação de serviços, as demandas privadas e atrair recursos para a universidade? Estariam garantidos critérios democráticos para o acesso a recursos para a realização de pesquisas na Universidade em áreas alheias ao interesse direto do mercado?

A autonomia e o ritmo da pesquisa e da produção científica serão respeitados diante das exigências em atender de forma mais eficiente as demandas do mercado? Não haverá um direcionamento, a priori, das políticas institucionais nessa área?

Será instaurando um clima de competitividade entre os pesquisadores na disputa por recursos para realizar suas pesquisas, prestar serviços, desenvolver produtos e garantir uma eventual complementação salarial, gerando uma fragmentação ainda maior na categoria do magistério na Universidade, entre os “produtivos” e os “improdutivos”?

Os objetivos institucionais serão definidos em termos das necessidade e demandas externas, quanto à pesquisa e inovação e a prestação de serviços?

 

Qual o papel das fundações de apoio na gestão dos convênios e dos recursos oriundos da pesquisa e desenvolvimento e da prestação de serviços no âmbito da Universidade?

 

Estas questões seguem sem respostas, ou, pelo menos, temos como hipótese que, se o caminho da pesquisa da UFMA seguir as trilhas indicadas pelo Future-se, então, provavelmente, teremos um forte direcionamento para a alteração do ethos acadêmico na universidade, fragilizando ainda mais a sua autonomia e estabelecendo critérios cada vez mais vinculados à produtividade para reconhecimento do mérito acadêmico.

 

Os ataques iminentes contidos no Future-se colocam no horizonte o desmonte das universidades públicas e do aparato de ciência e tecnologia brasileiro por meio de uma proposta privatista que reduz a função social da universidade e não compreende a especificidade do seu fazer, limitando toda a discussão aos custos e aos resultados imediatos que esta pode entregar à sociedade, buscando equipará-la às instituições privadas.

 

Por isso, em plenária aberta convocada pela APRUMA, em 04/09/2019, em São Luís, após uma rodada de planárias realizadas em vários campi da UFMA no interior, a comunidade acadêmica se posicionou contrária ao Future-se[12]. Cabe agora à reitoria convocar o Conselho Universitário para que mais uma vez a UFMA possa dizer NÃO AO FUTURE-SE!

 

[1] Programa lançado em 17 de julho, tem o objetivo de dar maior autonomia financeira a universidades e institutos por meio do fomento à captação de recursos próprios e ao empreendedorismo e fomenta a parceria com o setor privado e será executado por meio de organizações sociais. http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/52641. Acesso em 23/04/2020.

[2] Programa de Apoio a Planos de Expansão e Reestruturação das Universidades Federais, instituído por meio do Decreto n. 6.096/2007.

[3] O Sistema de Seleção Unificada é o sistema informatizado do Ministério da Educação, no qual instituições públicas de ensino superior oferecem vagas para candidatos participantes do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem).

[4] https://portais.ufma.br/PortalProReitoria/ageufma/paginas/pagina_estatica.jsf?id=238. Acesso em 23/04/2020.

[5] O FUTURE-SE é composto por três eixos: Gestão, governança e empreendedorismo; Pesquisa e Inovação e Internacionalização.

[6] Segundo levantamento do Jornal O Globo, das 63 universidades federais, 27 não vão aderir ao Future-se, 7 têm posição crítica, 27 não decidiram e 2 não responderam. Disponível em http://educação.estadao.com.br/noticia/geral,maioria-das-universidades-federais-rejeita-future-se,70003024425. Acesso em set. 2019.

[7] Outro exemplo que parece seguir a mesma orientação é a Pró-reitoria de Gestão, modernização e Transparência – DGMT, também criada no processo de reestruturação implementada pela atual gestão da UFMA.

[8] Memorando eletrônico no. 5/2020 DGIST/AGEUFMA, de 11/04/2020. O formulário pode ser acessado por meio do link https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSdi-P8mL42YjxH0xy2yW-A2gZae0b07PBJ0qHy4yf3f8WlLuQ/viewform?usp=sf_link.

[9] SOUSA, A.P.R. de. Informações sobre o mapeamento de competências [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <ageufma.dist@ufma.br>  em 14/04/2020.

[10] LIMA, S. RE:  Informação sobre o mapeamento de competências [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por  <anapaularis@hotmail.com> em 14/04/2019.

[11]https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2019/04/corte-orcamentario-de-42-em-ciencia-e-tecnologia-preocupa-entidades.shtml acesso em 30/04/2020. https://www.andes.org.br/conteudos/noticia/orcamento-da-educacao-sofre-corte-de-r-5-83-bilhoes1. Acesso em 30/04/2020.

[12] http://aprumasecaosindical.org/2019/09/05/plenaria-universitaria-comunidade-da-ufma-diz-nao-ao-future-se/. Acesso em 30/04/2020.

 

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