Professor Agostinho Ramalho: “As cláusulas pétreas da Universidade Pública estão sob ataque”:
Professor reconstitui momento Estatuinte na UFMA e lança luzes sobre o processo pretendido pela atual Administração Superior da Universidade
A Reunião Ampliada realizada pela APRUMA na última quarta-feira, 9 de junho, teve a participação especial do professor Agostinho Ramalho Marques Neto, aposentado do curso de Direito da UFMA e intelectual reconhecido nacionalmente, além de ex-presidente da Apruma.
A reunião contou com a presença de docentes, discentes e técnicos, que avaliaram de forma crítica o posicionamento da atual gestão superior da Universidade Federal do Maranhão em realizar de forma açodada alterações estatutárias e regimentais na UFMA – barradas pela segunda vez na Justiça a pedido – fundamentado (como não poderia deixa de ser) – da APRUMA.
Durante o encontro, o professor Agostinho Marques rememorou um pouco o processo da primeira estatuinte na Universidade, do qual participou como presente da APRUMA.
Ele relacionou a experiência vivida na UFMA naquele momento com a conjuntura da época, de efervescência do pensamento crítico em meio ao enfraquecimento do regime ditatorial e de organização da classe trabalhadora na sociedade (Agostinho foi presidente da APRUMA no biênio 1981-1983).
Em sua avaliação, o que vivemos hoje, de perseguição à Educação, à Universidade Pública, à ciência e ao pensamento crítico pode e deve servir de alerta para que se questione se de fato este é um momento oportuno para alterar as principais normativas que regem a vida acadêmica na Universidade.
“Uma Estatuinte Democrática não pode se limitar à mera consulta, precisa de participação ativa e efetiva – dos professores, dos estudantes, dos técnicos, das Unidades Acadêmicas, e, também, da sociedade, porque, afinal de contas, a Universidade Pública está a serviço da sociedade”.
Esse ponto bem demarcado pelo professor Agostinho contrasta, ao que parece, com as intenções da atual gestão superior da Universidade. É o que se pode depreender, por exemplo, da fala da pró-reitora de Extensão e Cultura, professora Zefinha Bentivi, em entrevista à Rádioweb Tambor na última quinta-feira, 10.
A pró-reitora, ao defender as alterações estatutárias propostas pela reitoria para a UFMA, negou a Estatuinte e reforçou que as alterações pretendidas visam mais a atualizar e adequar este fundamento da Universidade aos tempos atuais – segundo ela uma exigência dos órgãos de controle.
Para ela, esse tipo de alteração dispensaria um processo mais aprofundado e, consequentemente, mais democrático, como é uma Estatuinte.
Essa justificativa contraria a análise da proposta apresentada pela reitoria, feita por uma comissão de docentes que se debruçou sobre o material. Eles encontraram, por exemplo, uma intenção de ampliação profunda do conteúdo do Estatuto da UFMA, e não uma mera atualização ou adequação.
Participação controlada
O processo democrático, ao contrário do que afirmou a pró-reitora durante sua entrevista, também sai vitimado pela metodologia escolhida para promover alteração de tamanha envergadura.
Vale lembrar que a APRUMA historicamente defende um processo Estatuinte que aprofunde em todas as direções a participação da comunidade acadêmica e da sociedade. Esse é um ponto que vem constando em sua pauta de reivindicações de conhecimento da Administração desde 2015, e que foi reapresentado em reunião virtual com a atual administração, em dezembro do ano passado (veja aqui).
Para a pró-reitora, a democracia estaria preservada caso o Conselho Superior (Consun) aprovasse as mudanças pretendidas, pois ele é a instância máxima deliberativa da Universidade – o que, de fato, procede.
O que não aparece na fala da professora Zefinha e que foi constatado pela Comissão que analisa as propostas de mudança é que a atual composição do Conselho compromete, desde o início, a democracia universitária – o que também foi apontado por diversos participantes da Reunião Ampliada feita pela APRUMA: a Comissão aponta que vários membros do Conselho, com assento representando unidades e subunidades acadêmicas, não foram escolhidos por seus pares, mas ocupam essas vagas pro-tempore e que, antes de pôr em votação um processo desse, é preciso corrigir e dar legitimidade a quem terá direito de voto.
Para a Comissão, a base para essa alteração precisa passar, primeiramente, por uma escolha democrática.
Recentemente – aponta a análise da Comissão – em vez de contribuir para dar legitimidade e efetiva representatividade a esses assentos, a Administração Superior prorrogou mais de duas dezenas desses cargos. São estas suas próprias indicações que a reitoria quer ver votando as alterações no Estatuto – que, também e curiosamente, podem enfraquecer as decisões tanto do Consun quanto de todas as instâncias colegiadas da UFMA: uma das alterações visa a dar à reitoria o poder de veto a decisões de todas as instâncias colegiadas. Para a Comissão, isso não tem paralelo não apenas na História da UFMA, mas da universidade pública brasileira.
Com isso, a Comissão aponta que a metodologia escolhida pela reitoria para alterar o Estatuto da UFMA fere a democracia e a autonomia da UFMA, vez que a participação se dará em boa parte de forma controlada, com indicações da Administração Superior, não eleitas pela comunidade acadêmica, decidindo sobre o documento basilar da Universidade.
Outro ponto citado pela professora e que contrasta com a realidade foi a consulta às Unidades acadêmicas para que se tentasse proceder tais alterações. Durante sua entrevista, houve uma intervenção feita pelo professor Wagner Cabral, chefe do Departamento de História, que enviou comentário no qual foi taxativo: “Sou chefe de Departamento e nunca houve discussão sobre mudanças no Estatuto da UFMA”, sentenciou. A fala de Wagner assemelha-se a várias outras de representantes de unidades que vêm se pronunciando nos fóruns da Apruma. O Sindicato, aliás, é que vem fazendo a discussão sobre o tema, papel que caberia à Administração Superior que, no entanto, como se depreende do que disse a professora, limita-se a discutir e aprovar no Consun – formado em boa parte por indicados pro-tempore. Em resposta a Wagner, a pró-reitora apontou uma consulta que vem sendo feita nos canais da UFMA, o que obviamente não preenche as lacunas de um processo tão delicado.
O que está sob ataque é o que, para nós, são cláusulas pétreas da Universidade.
Foi com essa declaração que o professor Agostinho demarcou o projeto do governo Bolsonaro para a Universidade Pública.
Para ele, o momento atual é de um obscurantismo avassalador, de “ignorância militante, difundida pelo atual governo e pelos que o apoiam“. É, ainda segundo ele, a efervescência do “antipensamento”, que se opõe a todo e qualquer pensamento, ao próprio ato de pensar, diferente ao momento que viveu ao participar da primeira estatuinte na UFMA. “O que está na alça de mira é toda e qualquer complexidade. O que se quer fazer é reduzir tudo a um binarismo ‘nós contra eles'”, pontuou.
É esse contexto, de uma “necropolítica deliberadamente concebida e friamente executada”, demarcada ainda pela “falta de empatia em relação aos mortos e aos seus familiares, que frequentemente recebem o escárnio das autoridades”, que a Administração Superior considera adequado para alterar o estatuto da Universidade Federal do Maranhão – ainda que dispensando o devido processo de uma Estatuinte para alterações tão profundas.
Pode-se dizer também que, ainda que optasse pelo caminho mais adequado e se deflagrasse um verdadeiro processo democrático, tentar proceder tal mudança, num tempo em que a meta primordial das pessoas é sobreviver, não parece estar em compasso com o momento de uma pandemia – embora a pró-reitora, em sua entrevista, resolvesse desconsiderar isso, pois, para ela, a universidade está funcionando “normalmente”.
Ao contrário disso, o professor Agostinho ensinou que não é em qualquer momento que se faz uma Estatuinte: “É preciso que fiquem claras as razões: para quê? qual a finalidade? Por quê? E isso requer tempo, não é algo que possa ser feito às pressas”.
Agostinho lembrou ainda que, acima de tudo, devem estar resguardadas o que considera as “cláusulas pétreas” da Universidade Pública em meio a esse processo – que deve reafirmá-las e defendê-las. Ao contrário do que pretende o governo Bolsonaro:
“O que está sob ataque é o que, para nós, são cláusulas pétreas da Universidade Pública – o seu caráter público, gratuito e de qualidade. E hoje já não basta dizer isso: é preciso se dizer laica. Estão querendo transformar ainda a educação em um ‘serviço’, o que caminha para a privatização. Educação não é um serviço: é um direito inegociável. Empreender uma lógica empresarial à Universidade significa a transformação da Educação em uma mercadoria negociável, com método produtivista e caráter quantitativo e não qualitativo. É contra isso tudo que devemos lutar. É contra isso tudo que o Estatuto de uma Universidade Pública deve ser afirmado”
O professor Agostinho completa ainda, afirmando serem esses os princípios válidos quando da primeira estatuinte, as cláusulas pétreas, das quais não se pode abrir mão na construção de uma universidade verdadeiramente pública.
As intenções da reitoria parecem estar distantes desse rumo. Embora a professora Zefinha tenha se esforçado para assegurar a defesa do caráter público da UFMA durante sua entrevista à rádio Tambor, ela afirmou algo muito próximo do que denuncia Agostinho Marques: entre as alterações, a intenção é de inserir, no espírito da UFMA, representado pelo seu Estatuto, a dinâmica do “empreendedorismo”, algo que deságua no esvaziamento do espírito crítico da Universidade, reforça um caráter meramente instrumental e, mais que isso, joga flores no caminho da mercantilização do conhecimento e da pesquisa e, consequentemente, da privatização, adequando-se ao espírito do malfadado projeto Future-se do governo Bolsonaro. Retomando as palavras do mestre Agostinho, “É contra tudo isso que devemos lutar”.
Por fim, não é demais lembrar que a participação, tanto da representação docente através da APRUMA quanto da representação estudantil naquele primeiro processo, como frisou o professor Agostinho, foram conquistas das quais não se pode prescindir, ainda mais num momento em que a democracia está sob ataque.
Mais que isso, a defesa de um processo profundamente democrático em sua essência e não apenas na aparência, segue sendo bandeira de luta do Sindicato, ainda que se tenha que enfrentar ataques como os desferidos pela Administração Superior que, em nota oficial, pôs em xeque inclusive a decisão da justiça acerca das manobras pretendidas para se levar à frente, a todo custo, as alterações que a reitoria pretende para os rumos da Universidade, ainda que a democracia fique pelo caminho. Sigamos atentos.
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Claudio Castro, para o site da Apruma