O debate Implicações do novo projeto de Educação a Distância na UFMA para a Universidade Pública Brasileira, realizado pelo Grupo de Trabalho de Política Educacional – GTPE/APRUMA dia 2 de setembro, foi o primeiro grande momento das discussões não apenas do projeto de educação a distância na Universidade Federal do Maranhão, mas, mais ainda, de como ele está articulado nacionalmente com uma nova visão de universidade, cada vez mais limitada em sua dimensão pública e mais articulada a interesses privados.
Participaram da atividade o professor Mauro Titton e a professora Olinda Evangelista, ambos da UFSC, e a pró-reitora de Ensino da UFMA, a professora Isabel Ibarra. O debate, que contou ainda com intensa participação da audiência do canal da Apruma no YouTube, onde foi transmitido, contou com a mediação da professora Cacilda Cavalcanti, vice-presidente da Apruma Seção Sindical e membro do GTPE/Apruma.
Evangelista e Titton trouxeram uma visão crítica do que vem sendo chamado de projeto Reuni Digital que, apesar do nome, é uma proposta de avanço da EaD nas universidades públicas através de parcerias público-privadas, articulada com as linhas gerais do projeto Future-se e com a interferência privada na Educação Pública. Isabel Ibarra fez a defesa da proposta que vem sendo gestada nos gabinetes da Universidade Federal do Maranhão e que, na avaliação dos outros dois convidados ao debate, que pesquisam o assunto pelo país, é a mais fiel aos ditames do Reuni Digital.
Expansão da EaD nas universidades públicas
A professora Olinda explicou que o que vem sendo chamado de Reuni Digital é uma proposta obscura que vem circulando nas esferas de poder, sem menção ao seu formulador, ou seja, sem autoria definida. Para ela, o que mais chama atenção é que nela está embutida um modelo de universidade pública, uma revisão do ensino superior no Brasil.
Outro ponto que chama atenção é que a EaD é colocada não como uma modalidade de ensino apenas, mas algo equivalente à educação presencial.
Também está proposta no Reuni Digital que pelo menos 40% da carga horária de todos cursos seja em EaD, o que ratifica que é um projeto que visa não somente à expansão da EaD mas à alteração da Universidade.
Assim, a educação a distância estaria presente em todas os cursos, em que estes podem ser 100% nesse modelo ou ainda de forma híbrida (presencial e a distância). Isso representaria o fim dos cursos totalmente presenciais – daí porque a professora fala sobre um novo modelo de universidade. Olinda Evangelista demonstrou ainda que essa é uma proposta que faz eco aos grandes organismos multilaterais, como OCDE, Banco Mundial, Unesco etc disfarçada de expansão do ensino.
Em relação ao Future-se, Olinda Evangelista identificou semelhanças entre esse projeto e o que vem sendo tratado como Reuni Digital em relação à privatização da Educação Pública, através de parcerias público-privadas para instituição e expansão dessa modalidade de ensino, além do fato de seu financiamento ser um ponto obscuro.
“Reorganiza a função da universidade”
Para Mauro Titton, o que está sendo pensado para a expansão da EaD e sua equiparação ao ensino presencial é mais uma peça no novo projeto de universidade e de Educação Pública que vem sendo gestado pelo capital, pelo mercado. Nessa dimensão entram, por exemplo, o currículo flexível, que parte não do conteúdo e da aprendizagem, mas do interesse do estudante, sem contar o “filão” da venda de pacotes de aulas que fazem parte dessa visão de EaD gestada por corporações e organismos globais multilaterais.
Para a Proen, críticas ao projeto de EaD partem de “preconceito”
Para a professora Isabel Ibarra, a pandemia representou o primeiro contato, para muitos docentes, com a intermediação tecnológica. Sobre as críticas, ela atribuiu ao que chamou de “preconceito com a EaD”, e que as possibilidades trazidas pela medição digital não podem ser negadas, porque isso representaria “negar tudo o que estamos vivenciando”. Segundo ela, essa modalidade agora é “inevitável”, e não tem como esse novo modelo não se estabelecer. “Ele virá de qualquer jeito, e os próprios professores irão querer”, disse.
Sobre o fato apontado pelos outros dois debatedores de o modelo de EaD proposto vir de um controverso “Reuni Digital”, a pró-reitora minimizou o fato, alegando que não há nada na proposta do Reuni Digital, sobre o qual ela mesma, segundo disse, tem dúvidas, mas que as discussões estão no início e devem envolver diversas instâncias, como o MEC, o Congresso Nacional e as universidades.
Sobre a proposta que começa a ser discutida na UFMA, apontada pela professora Olinda como a mais próxima ao Reuni Digital, Ibarra explicou que sua sua origem está na Diretoria de Tecnologias na Educação, DTED/UFMA, órgão criado pela atual gestão. Segundo a professora Isabel Ibarra, vários segmentos da UFMA serão ouvidos e a proposta deverá ser colocada em consulta pública, o que deve acarretar mudanças.
Público participa do debate
Além dos pontos levantados pelos debatedores, a audiência que acompanhou a programação no Canal da Apruma no YouTube também teceu contribuições nas discussões. Boa parte delas apresentou críticas tanto à forma como o assunto vem sendo tratado, praticamente trazido a público, mais uma vez, não pelos meios institucionais, mas por iniciativa da comunidade acadêmica, como nas assembleias realizadas pela APRUMA. O conteúdo também foi alvo de considerações – boa parte delas críticas ao avanço da EaD, especialmente sobre a forma como vem sendo apresentada no projeto Reuni Digital.
Para a professora Adelaide Coutinho, por exemplo, essa é uma forma de proporcionar uma espécie de “graduação fast food”, o que compromete sua qualidade. Ela apontou ainda a fragilização que a proposta representa para a pesquisa e para a extensão que, como diz, é o que o governo deseja. O processo então visa ao ensino, enfraquecendo ainda mais essas duas dimensões da Universidade. “EaD é um grande mercado no Ensino Superior. É formar para a uberização“, anotou. Adelaide ressaltou ainda que uma proposta como essa guarda estreita relação com o governo do momento, dizendo-se ainda “chocada” pelo fato de colegas de dentro da Universidade a defenderem.
Para a professora Betânia Barroso, do Campus Imperatriz, essa modalidade compromete um dos princípios da educação e da aprendizagem, que é a sociabilização.
O professor Titton, por sua vez, rebateu considerações da professora Isabel que, segundo ele, minimizavam o que estava sendo posto, como se as críticas à EaD fossem restrições às tecnologias na Educação. Ele reafirmou se tratar de questões mais profundas. “Óbvio que a mediação irá permanecer, já havia mediação tecnológica no processo antes da pandemia. O que se está tratando é de substituição”, destacou. A professora Karine Sobral, do Campus São Bernardo, concordou: “não se trata de ser contra ou a favor das tecnologias”, assentiu.
Sobre o currículo flexível também foi apontada divergência entre a fala da pró-reitora e a da professora Olinda. Para Ibarra, abrir essa possibilidade não significa dizer que os alunos irão “escolher tudo” (sobre o conteúdo), mas que é aberta a possibilidade de escolha. Olinda, ao seu turno, aponta que respeitar o interesse do aluno não significa imposição de currículo, até porque segundo ela no Reuni Digital isso não é respeitado, “porque quem define (o conteúdo) é o mercado. Não temo como não ver os comprometimentos do Reuni Digital”.
Para a professora Diana Diniz, do Campus Bacabal, o fato de a proposta ser submetida a consulta pública, como disse a pró-reitora, não significa a observância da democracia universitária, pois esse vem se revelando um método de aprovar sem discutir com profundidade assuntos de grande relevância para a universidade. “A consulta vem se revelando um modus operandi de opinar sobre algo que já está decidido”.
Defensores da proposta da Administração Superior para a EaD na UFMA também se pronunciaram. A defesa recorrente foi de que essa rejeição que vai se desenhando à minuta surgida na chamada DTED seria menos sobre a proposta em si e mais sobre quem a está propondo, reduzindo a um embate com a atual gestão. As posições que debateram o assunto com propriedade, no entanto, apontaram outra direção: além dos pontos já destacados, participantes do debate também salientaram outras questões, como o fato de essa modalidade padronizar processos educacionais e expropriar subjetividades; as já apontadas relações com as contrarreformas do governo Bolsonaro; o adoecimento causado na comunidade acadêmica durante a adaptação ao ensino remoto em meio à pandemia; a ampliação de psicopatologias; a infoexclusão; ciberdependência; o fato de que ela possa significar um endosso à exclusão etc.
Ao final da programação, a mediadora, professora Cacilda Cavalcanti, destacou que o profícuo debate ajuda, além de tudo, a se pensar o projeto de universidade defendido pela categoria docente.
A atividade pode ser acompanhada em sua totalidade no vídeo a seguir ou diretamente no Canal da Apruma no Facebook: