Após muita luta e muita pressão, a professora Jacyara Paiva conseguiu reverter o seu processo de exoneração da Universidade Federal do Espirito Santo (Ufes). A docente, diretora do ANDES-SN, contou com o apoio Sindicato Nacional, da Associação de Docentes da Universidade Federal do Espírito Santo (Adufes Seção Sindical), do movimento negro, da comunidade acadêmica e demais movimentos sindicais e sociais.
A reitoria da Ufes acolheu o parecer emitido pela Advocacia-Geral da União (AGU) nessa segunda-feira (4), que recomenda a consolidação administrativa do ato de nomeação da docente. Com isso, Jacyara permanecerá no quadro docente da Ufes.
“Na segunda-feira, quando recebi a notícia através do reitor Paulo Sérgio Vargas, de que a AGU havia enviado uma nova recomendação e esta era positiva para minha permanência em minha universidade, eu mal conseguia acreditar. Venceu a boa luta, venceu a luta antirracista nas universidades brasileiras, venceu o povo negro, venceu a democracia. E a luta terminou? Não! Esta não termina nunca. Continuamos nela em busca de novos marcos civilizatórios, por uma sociedade onde caibam todas, todes e todos”, contou Jacyara.
A diretora do ANDES-SN e docente da Ufes destacou, ainda, a importância da luta antirracista, tanto no ambiente acadêmico quanto sindical. “Seguimos com coração grato e com muito orgulho de pertencer a uma seção sindical, a Adufes, corajosa, que tem aprendido a não varrer o racismo para debaixo do tapete, que não corre das lutas. Seguimos pedindo vida longa ao ANDES-SN, que não se furtou a encarar a luta de frente, através de sua diretoria, de seu presidente e de sua categoria. Que este sindicato possa continuar seguindo na luta, não somente por uma universidade antirracista, mas também por sindicatos antirracistas, porque a transformação só vem através da luta dos trabalhadores e das trabalhadoras, através de uma universidade democrática. Continuamos a resistir, porque este é nosso compromisso e responsabilidade”, afirmou.
Para Gisvaldo Oliveira, da coordenação do Grupo de Trabalho Políticas de Classe para as Questões Étnico-raciais, de Gênero e Diversidade Sexual (GTPCEGDS) do ANDES-SN, a permanência da professora Jacyara na Ufes é uma grande vitória do povo negro, historicamente excluído das instituições de ensino superior. “É uma vitória da luta antirracista, que o nosso Sindicato Nacional sempre colocou na centralidade. Por isso estamos comemorando muito, comemorando mais uma conquista da nossa luta. E reafirmando que seguiremos lutando”, pondera Oliveira, que também é 3º tesoureiro do Sindicato Nacional.
Para Gustavo Seferian, presidente do ANDES-SN, esse resultado vem do processo de mobilização coletiva, não só dentro da Universidade Federal do Espírito Santo, conduzido de forma mais significativa pela Adufes SSind., mas também para fora dos muros da Ufes, com abaixo-assinado, atos, manifestação de solidariedade de figuras públicas do movimento negro.
De acordo com o presidente do Sindicato Nacional, a posição, por parte da AGU, referenda o que as teses jurídicas e as proposições que, desde o início, vinham sendo apresentados à Administração da Ufes. Confirma, ainda, que “que não existia qualquer razão de ser para exoneração da Jacyara, que não o resultado de uma perseguição política que vinha se estabelecendo desde momentos que antecedem a uma denúncia anônima, que resulta em todos esses atos administrativos na calada da noite, no fim do ano passado”.
Gustavo conta que após diversas reuniões, muita pressão e grande exposição pública do caso, foi possível conseguir uma segunda posição sobre o tema e o encaminhamento do processo para a AGU, que veio a ter, como resultado, a permanência de Jacyara na Ufes. Seferian acrescenta que, se não fosse essa mobilização, o reitor, a burocracia universitária, teriam operado no ‘piloto automático’ e Jacyara estaria exonerada.
“Foi esse conjunto de lutas importantíssimo, que nesses dois últimos meses de forma mais significativa você colocou em marcha que fez hoje a gente ter essa notícia maravilhosa, que Jacy fica, o povo negro fica, de uma forma cada vez mais presente nas universidades públicas brasileiras”, celebra o presidente do Sindicato Nacional.
Mobilização Jacy fica! O povo negro fica!
Desde que a reitoria comunicou sobre a possibilidade de exoneração da professora Jacyara Paiva, em 28 de dezembro de 2023, uma série de manifestações de solidariedade à diretora do ANDES-SN e em repúdio à sua perseguição ganharam os corredores da Ufes, as redes sociais e a mídia. Diversos atos foram realizados na universidade, reuniões com a reitoria e no Ministério da Educação para buscar reverter a situação.
“Em menos de um mês, a campanha se espalhou pelo Brasil. Grandes referências do movimento negro, dos movimentos sociais, coletivos, sindicato de técnicos e técnicas, docentes, discentes (incluindo DCE e UNE), mandatos estaduais e federais se manifestaram, contrários à exoneração. A luta ganhou grandes dimensões. O movimento, neste ponto, já não era mais por Jacyara, o movimento que ganhou o Brasil, tendo apoio de docentes do Uruguai, Argentina, Chile, Espanha, Portugal, pedia uma universidade antirracista, uma universidade autônoma em suas decisões, uma universidade que respeitasse o direito de se fazer a luta política sem retaliações, os apoios iam surgindo de forma voluntária de todos os lugares e espaços, isto nos fez perceber o quanto esta luta importa”, destaca Jacyara Paiva.
A assessoria jurídica nacional do Sindicato também atuou no campo jurídico para demonstrar que a docente tem direito à vaga que ocupa desde 2017. Como resultado da mobilização, a AGU reviu o parecer emitido inicialmente pela Procuradoria Federal da Ufes e orientou, nessa segunda-feira (4), a consolidação da nomeação de Jacyara.
Entenda
Na noite de 28 de dezembro de 2023, Jacyara Paiva tomou conhecimento de um despacho da Procuradoria Federal da universidade para sua exoneração do cargo de docente. O parecer jurídico se refere a uma decisão, transitada em julgado, de um processo de 2021. Tanto a Reitoria quanto o departamento da Ufes ao qual Jacyara está vinculada já haviam manifestado, em 2018, o interesse pela permanência da professora e pelo arquivamento da ação.
A docente questionou judicialmente um edital para concurso docente, publicado em 2017, uma vez que o processo seletivo no qual ela havia sido aprovada anteriormente ainda estava com validade. A ação foi iniciada com um mandado de segurança impetrado por Jacyara em desfavor da Ufes, buscando sua nomeação com prioridade para o cargo de Professora do Magistério Superior do Quadro Permanente da Ufes.
Conseguida a liminar, ela adentrou aos quadros da universidade, conforme sentença judicial. “CONCEDO PARCIALMENTE A SEGURANÇA pretendida por JACYARA SILVA DE PAIVA, apenas para reconhecer o direito da Impetrante de ser nomeada com prioridade para o cargo de Professor do Magistério Superior do Quadro Permanente da UFES, do Centro de Educação – Departamento de Linguagens, Cultura e Educação, na Área/Subárea: Educação, na vaga prevista no Edital nº 42/2017, porquanto publicado ainda na vigência do certame anterior (Edital nº 124/2013), no qual a candidata fora aprovada, sendo a próxima classificada na lista de respectiva, ressaltando-se que a nomeação deverá ocorrer em momento considerado oportuno pela Administração, porém, dentro do prazo de validade do certame regido pelo Edital nº 124/2013, e desde que preenchidos os requisitos de investidura previstos no instrumento respectivo, o que será aferido pela Administração.”
Diante da sentença, ambas as partes recorreram em apelação. Entretanto, mesmo com recurso interposto, a Ufes apresentou o Memorando 182/2018/GR/UFES onde concluiu pelo interesse na permanência da professora nos quadros da universidade, bem como a necessidade de encerramento do litígio judicial, uma vez que “não há óbice quanto à permanência da professora em questão e, sendo assim, a UFES tem interesse em encerrar o litígio judicial, tornando efetivo o ingresso da referida professora nos quadros funcionais de nossa Instituição.”
Após uma nova análise da AGU do caso, concluiu-se pela manutenção de Jacyara Paiva no quadro docente da Ufes e pela consolidação do ato de nomeação da professora.
*Com informações do ANDES-SN