A Universidade é considerada um espaço de formação e produção de conhecimentos que se forja baseada em um conjunto de processos fundamentais para pensar a sociedade levando em conta suas contradições ao tempo em que incita debates no intuito de se contrapor às injustiças sociais históricas, tentando repará-las, a partir de seus cursos, programas, projetos e ações.
A luta contínua da universidade para coletivizar seu projeto democrático tem sido desafiador, pois se defronta com dois modelos: uma universidade operacional e outra universidade institucional. Para Marilena Chauí, ao contrário da universidade institucional, a operacional nunca se volta para as questões de universalidade, inclusão. A autora percebe que a universidade institucional “[…] tem a sociedade como seu princípio e sua referência normativa e valorativa, enquanto a organização tem apenas a si mesma como referência, num processo de competição com outras que fixaram os mesmos objetivos particulares”[1].
Desse modo, ao analisarmos a Proposta apresentada pela gestão superior da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) observamos que se trata de um projeto de universidade operacional que utiliza da expressão “Modernização” para sinalizar sua pretensão de intervir no ensino de graduação, por meio do PROQUALIGRAD (Programa de Qualidade da Graduação) sem, entretanto, esclarecer como este projeto irá de fato contribuir para alterar os indicadores apontados e/ou como irá responder a esse objetivo:
[…] busca alinhar-se com as melhores práticas globais e atender às necessidades de toda a sua comunidade acadêmica e da sociedade; permitindo, ainda, uma formação profissional e cidadã dos seus discentes, de forma ética, crítica e humanizada, com políticas de inclusão e redução de assimetrias (UFMA, 2024, p. 3).
Um dos pontos centrais do documento é a indicação de extinção dos Departamentos Acadêmicos, esta importante e histórica unidade acadêmica que passou a ser considerada “vilã” do ensino de graduação na UFMA.
Embora o documento faça algumas referências a termos como inclusão, cidadania e diversidade como expressões da concepção de modernização em que se fundamentam, o texto, entretanto, evidencia apenas uma proposta de ajustes administrativos para cortes de gastos e alinhamentos às práticas globais de uma educação excludente e ineficaz.
O que entendemos por modernização vai na contramão dessa concepção – uma universidade com equipamentos tecnológicos em quantidade e qualidade suficientes para o trabalho e estudo de docentes, técnicos/as e discentes, conectividade de qualidade em todos os campi e em todas as suas unidades (considerando que em alguns locais dos campi não se consegue acessar a internet), laboratórios equipados em conformidade com as demandas formativas nas diversas áreas do conhecimento; tecnologia, procedimentos e mecanismos de gestão integrados a um Projeto Político-Pedagógico (PPP) que prioriza uma formação humana integral, técnica e política.
É importante explicitarmos que não somos contrários a nenhum Programa de Qualidade para a Graduação na UFMA. Estamos empenhados em tornar nossa instituição cada vez mais forte e atraente para os/as alunos/as. A UFMA é a maior e melhor universidade do Estado do Maranhão, e queremos que continue assim, buscando estratégias para melhorar os índices de qualidade acadêmica, pois temos consciência que uma universidade eficaz se faz com todas as instâncias funcionando em sua plenitude. A noção de qualidade que embasa o Programa encontra-se reduzida à relação insumos-processos-resultados. Fundamentada nestas concepções, a Proposta de Modernização da Estrutura Acadêmica e Administrativa da UFMA está organizada em cinco eixos.
O primeiro trata da “Criação e Reestruturação de Setores Acadêmicos e Administrativos”. Em que pese a importância da criação de algumas dessas diretorias, observa-se, entretanto, a falta de compreensão quanto às ações efetivas e orçamentárias, o que deixa dúvidas sobre a necessidade de criação destes setores institucionais.
Em que pese o discurso sobre diferentes concepções e sentidos de qualidade, abordado no segundo eixo, “Política de Qualidade dos Cursos de Graduação (QUALIGRAD)”, a proposta evidencia uma qualidade reduzida a indicadores, monitoramento em forma de controle e centralização, e plataformização do ensino, com indicadores e comissões definidos de forma hierarquizada sem a participação efetiva dos principais sujeitos da ação pedagógica – docentes, Técnicos-administrativos em Educação – TAEs e discentes.
O terceiro eixo, “Adequações Orçamentárias para Atender às Políticas de Ensino, Pesquisa e Extensão”, não especifica nenhuma ação consistente, se limita a citar, de forma genérica, formação e treinamento em serviço, indicando desconhecimento sobre a profundidade e complexidade que envolve a formação continuada de professores/as.
No que tange ao quarto eixo, “Melhoria da Política Institucional de Assistência Estudantil”, a implantação e a revitalização dos espaços são estratégias fundamentais para contribuir com a redução dos índices de evasão/retenção escolar. Para alcançar esse objetivo é necessário garantir a constante manutenção, expansão física e atualização do mobiliário, acervo e equipamentos. Mas, acima de tudo, é preciso estudar as causas e implicações da evasão no processo de ensino e aprendizagem para planejar ações que possam revertê-la.
O documento apresenta um conjunto de dados sobre composição do orçamento, porém omite aquilo que mais importa para avaliar melhor a situação da UFMA: as despesas da UFMA, de modo que a comunidade tenha conhecimento sobre quais ações estão sendo, de fato, priorizadas. Além disso, o documento não faz, sequer, menção sobre um diagnóstico, mesmo que superficial, da situação real da universidade, talvez por desconhecer ou não considerar importante retratar o sucateamento dos departamentos e coordenações de curso, conforme mencionamos.
O quinto e último eixo trata da “Padronização das Subunidades Acadêmicas”, particularmente, da extinção dos Departamentos Acadêmicos. A criação dos Departamentos Acadêmicos no Brasil nos anos sessenta do Século XX teve um impacto direto na estrutura curricular das universidades e no modo como o ensino superior foi organizado. Esse processo permitiu maior especialização no ensino, uma vez que cada área do saber pôde desenvolver suas próprias particularidades pedagógicas e metodológicas, adaptadas às necessidades do campo de estudo.
Em um contexto de expansão do ensino superior e aumento do número de universidades no Brasil, a criação dos Departamentos garantiu que as decisões acadêmicas estivessem mais próximas da realidade do campo de estudo, permitindo maior flexibilidade e eficiência na gestão das instituições. Os Departamentos Acadêmicos passaram a ser a unidade básica para coordenar as diferentes áreas do conhecimento, facilitando a implementação de novos cursos, programas de pós-graduação e iniciativas de pesquisa.
A proposta de extinção dos Departamentos é apresentada como a mais importante do Programa proposto, chegando ao ponto de gestores afirmarem que, sem isso, o PROQUALIGRAD não se sustenta. Isso nos permite a interpretação de que a proposta faz parte de um projeto de centralização brutal que é implantado na instituição nos últimos 15 anos, que elimina do ambiente acadêmico toda a autonomia conquistada a partir da década de 60 e ampliada na Constituição de 1988, após décadas de luta. Vale lembrar que primeiro se tirou os recursos financeiros dos Centros e Departamentos e, agora, vem a extinção destes, para “economizar” Funções Gratificadas – FGs que, inclusive, não sabemos para onde serão destinadas.
Do ponto de vista acadêmico, o fechamento dos Departamentos na Universidade Federal do Maranhão representa uma medida que pode ter consequências desastrosas para o ensino, a pesquisa e a gestão acadêmica em nosso Estado. Nesse sentido, os departamentos são espaços de deliberação coletiva, onde docentes, discentes e técnicos administrativos interagem diretamente para definir as diretrizes acadêmicas e as políticas pedagógicas que guiam a formação dos alunos.
Fica demonstrado, portanto, que as diferentes subunidades acadêmicas têm suas atribuições específicas[2], e não são poucas. Concentrar todas essas atividades nas Coordenações de Cursos é, antes de mais nada, precarizar e desvalorizar o trabalho docente.
Além disso, não foi apresentado nenhum estudo que indique o fechamento dos Departamento como solução para os problemas da graduação, que são muitos. Por outro lado, todos os Chefes de Departamentos e Coordenadores de Cursos da UFMA conhecem os reais problemas da Universidade, sobretudo os relacionados à infraestrutura, com salas de aula inadequadas, laboratórios de ensino precários, bibliotecas com acervos defasados, acessibilidade insuficiente, entre outras. Porém, nenhum diagnóstico aponta os Departamentos como parte dos problemas, ao contrário, são os departamentos que, historicamente, têm problematizado sobre as fragilidades e precariedades de suas estruturas, denunciando e fazendo apelos para serem sanados, sem que haja, por parte da gestão superior, respostas plausíveis aos problemas apontados.
Em suma, o fechamento dos Departamentos Acadêmicos não resolve os problemas da gestão universitária, ao contrário, os agrava. Ao centralizar decisões, o novo modelo proposto enfraquece a democracia universitária, prejudica a qualidade do ensino e da pesquisa e impede o desenvolvimento de soluções criativas e eficientes para os desafios sociais.
Por último, mas não menos importante, em Assembleias de Departamentos realizadas em todos os Centros, a proposta de modernização, da forma que foi apresentada, está sendo rejeitada praticamente por unanimidade pelas subunidades acadêmicas. Isso mostra a necessidade de uma discussão mais abrangente, onde as propostas devem ser oriundas da base, em que docentes, TAEs e discentes possam ser ouvidos e valorizados nas decisões acadêmicas da UFMA.
Apruma – Seção Sindical do ANDES – Sindicato Nacional.
[1]CHAUI, Marilena. A universidade pública sob nova perspectiva. 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n24/n24a02.pdf. Acesso em 20 de janeiro de 2025.
[2]As atribuições das Assembleias Departamentais e dos Colegiados de Curso encontram-se no Regimento Geral da UFMA nos Art. 92 e Art. 97.