O primeiro dia do Seminário Nacional do GTPAUA – Grupo de Trabalho de Política Agrária, Urbana e Ambiental do Andes-Sindicato Nacional – contou com a presença de dezenas de estudantes e docentes de várias universidades brasileiras, além de representantes de movimentos sociais que lotaram o auditório da Biblioteca Setorial do CCH/UFMA, interessados em debater os impactos do sistema econômico sobre a vida de parcelas consideráveis da população, notadamente as periferias dos centros urbanos, agrupamentos camponeses, quilombolas, indígenas e demais populações tradicionais, além, é claro, dos impactos sobre o meio ambiente.
Para a professora Kátia Regis, que compôs a mesa de abertura representando a Reitoria da Universidade Federal do Maranhão, esse é um debate fundamental, importância essa reforçada no atual cenário de avanço dos retrocessos e retirada de direitos de trabalhadores urbanos e rurais. Além dela, compuseram a mesa os professores Antonio Gonçalves, representando a APRUMA, Leandro Neves, representando o GTPAUA/Andes, Welbson Madeira (GTPAUA/APRUMA), Horácio Antunes (Movimento de Defesa da Ilha), Roberto Ramos, pela CSP-Conlutas/MA, as professoras Cláudia Durans, pela presidência do Andes-SN, Sirliane Paiva, da Regional Nordeste I do Andes, Aldeli Gamella, pelo povo Akroá-Gamella, e Genilson Moquibom, da comunidade quilombola Marfim, pelo Movimento Quilombola do Maranhão (MOQUIBOM).
Acserald:
“É preciso enfrentar e desmascarar a chantagem do investimento, que perpetua a desigualdade social e ambiental”
Entre os conceitos naturalizados como positivos e benéficos para a sociedade e que foram postos em questionamento pelo professor Henri Acserald, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ, durante a mesa Capitalismo e Natureza, no Seminário Nacional do GTPAUA nesta quinta-feira, 23, estava o de “crescimento econômico” como algo necessário para as sociedades.
Para ele, enquanto o crescimento é justificado como necessário ao combate à pobreza, serve para encobrir, por outro lado, sua ação na produção para a geração de lucro.
A noção de desenvolvimento sustentável também é colocada em xeque: “É o capitalismo como sempre foi, mas com emprego de equipamentos mais eficientes que agora, além de servirem para economizar o uso intensivo de mão-de-obra, economizam também insumos”, disse, demonstrando que, em vez de geração de empregos, como consta nos discursos oficiais, essas tecnologias, na verdade, dispensam trabalhadores.
Ao falar sobre as monoculturas, Acserald também desmistificou o conceito de reflorestamento: “são indústrias de árvores, como a do eucalipto. Não é reflorestamento. A monocultura é inimiga da diversidade, e seus efeitos extrapolam as áreas de plantio, como quando são feitas as pulverizações, por exemplo, e que envenenam a água, o ar etc. O sistema capitalista, desde o início, nos obriga ao consumo de efluentes líquidos, gasosos e particulados sem que tenhamos sido consultados”, explicou.
Para ele, esse cenário se altera a partir do neoliberalismo, por volta da década de 1980, quando “a lógica do deslocamento do dano” segue para as áreas pobres. A lógica a que se refere, e que consta inclusive em documentos oficiais citados pelo professor, teria o objetivo de “economizar o planeta“, localizando práticas que aceleram a morte para áreas que já tinham menor expectativa de vida, naquilo que chamou de “economia política da vida e da morte como justificativa teórica da desigualdade ambiental”.
Assim, empreendimentos altamente poluentes seriam deslocados para áreas onde vivem populações mais vulneráveis – e mais: com menor poder de organização social e política para fazer o enfrentamento a esses novos e danos “vizinhos”. Exemplo nesse sentido foi a constatação de que a maior parte das instalações da indústria petroquímica dos Estados Unidos estavam localizadas em comunidades negras, que passaram a conviver com a proximidade de lixões químicos.
Alemanha – São Luís – Rio de Janeiro
Como explicou, essa é a lógica da desigualdade ambiental, com lucros para alguns e danos e antecipação da morte para outros grupos determinados, como populações tradicionais, periferias urbanas etc. Com o avanço do neoliberalismo, ocorre a transferência desses geradores de danos para áreas menos organizadas politicamente.
Foi assim, por exemplo, que o polo siderúrgico não mais aceito pelos alemães foi dado como solução ao atraso do Maranhão. Com a organização das populações da zona rural de São Luís na resistência a esse empreendimento, ele foi parar no Rio de Janeiro, onde a luta dos pescadores para denunciar os danos gerados foi silenciado por anos a fio: “só foram ouvidos pela mídia seis anos depois”, contou o professor, que explicou ser essa uma dinâmica permanente do capitalismo contemporâneo.
Essa resistência encontrada no Maranhão acontece no contexto da luta ambiental, que é a busca pela justiça ambiental, com a resistência feita nas áreas para onde são transferidas, ou para onde se planeja transferir, esses males. Ele aponta a necessidade de aliança entre as comunidades-alvo desses empreendimentos para que a resistência se amplie.
Formação, educação e consciência política
Para inverter a lógica que apresenta conceitos como positivos ao passo que ocultam os danos que causam, Henri Acserald apontou que é preciso investir na educação e na formação política da sociedade – daí a importância de eventos como este Seminário Nacional.
Para ele, é preciso “educação e formação política para ler além da grande mídia”. Somente assim, será possível mostrar que não é a simples economia da água para uso doméstico, por exemplo, que vai salvar o planeta:
- é preciso mostrar, por exemplo, que a água para uso doméstico representa 10% do uso industrial
- que 80% da população consome 20% dos recursos do planeta, ao passo que os 20% mais ricos, por outro lado, consomem cerca de 80% dos recursos
- que dois terços das barragens de rejeitos que ameaçam comunidades mineiras, como aconteceu em Bento Gonçalves, estão localizadas em territórios predominantemente negros e pardos, ameaçando dessa forma uma proporção maior que a população negra e parda do próprio estado, que é de cerca de 50%
Para ele, a chantagem do investimento que esses empreendimentos representariam deve ser enfrentada: é preciso desmascarar esse mecanismo através do qual a desigualdade ambiental e social se perpetuam no mundo.
Para fazer esse enfrentamento, mais uma vez, aponta o caminho da educação e da formação, capazes de fazer a crítica ao consumismo, à obsolescência planejada, e ao sistema capitalista, além de permitirem que esse modelo econômico seja repensado, que outra forma de sociedade seja buscada.
Seminário prossegue
Na tarde desta sexta-feira, 24, a partir das 14h, as atividades seguem, com a mesa “Grandes projetos e impactos ambientais”, com Osmarino Amâncio (Acre) e Tatiana Walter (Rio Grande do Sul).
Na sequência, a mesa “Lutas sociais e estratégias de enfrentamento”, com Inaldo Gamella (MA), Nailton Pataxó (BA), Helena Silvestre (SP), Fátima Barros (Articulação Nacional Quilombola).
No sábado haverá visita às comunidades rurais de São Luís, na área de resistência e luta da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim.
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