Diante da atitude de Jair Bolsonaro determinar a comemoração do golpe civil-militar de 1964, diversas entidades da sociedade civil e instituições republicanas se manifestaram denunciando a defesa da tortura, assassinatos, e o que o Ministério Público Federal, através da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), chama de “crimes bárbaros (execução sumária, desaparecimento forçado de pessoas, extermínio de povos indígenas, torturas e violações sexuais) que foram perpetrados de modo sistemático e como meio de perseguição social. Não foram excessos ou abusos cometidos por alguns insubordinados, mas sim uma política de governo, decidida nos mais altos escalões militares, inclusive com a participação dos presidentes da República”, diz a Nota pública da PFDC, com sede em Brasília, que pode ser acompanhada abaixo.
APRUMA PROMOVE DEBATE DITADURA NUNCA MAIS DIA 3 DE ABRIL
Nesse sentido, a Apruma realiza, às 17h30 da próxima quarta-feira, no Auditório da Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas (CCH), na UFMA Campus do Bacanga, o debate Ditadura Nunca Mais – Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça”.
O debate contará com a presença de docentes da UFMA militantes e/ou atuantes nas áreas de Direitos Humanos:
- Josefa Batista Lopes, da Comissão da Verdade do ANDES, órgão do Sindicato Nacional que publiciza crimes do regime civil-militar contra docentes, estudantes e demais membros das comunidades universitárias das Instituições de Ensino Superior;
- Arleth Borges, do Departamento de Sociologia e Antropologia da UFMA;
- Wagner Cabral, do Departamento de História e ex-presidente da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, e;
- Francisco Gonçalves (Comunicação), secretário de estado dos Direitos Humanos e Participação Popular.
Para os que desejarem obter Certificado de Participação (4h de atividades acadêmicas), deve ser preenchido o formulário disponível no link AQUI.
Além da Apruma, e a despeito de movimentos protofascistas que se dispõem a seguir a orientação presidencial que, para o mundo jurídico flerta com o crime, várias ações estão sendo pensadas para não varrer a verdade para debaixo do tapete:
- No sábado, dia 30, no Memorial Maria Aragão, na Praça Maria Aragão, centro de São Luís, às 16h, haverá o Ato Democracia Sempre, Ditadura Nunca Mais. Na ocasião, o governo estadual vai assinar o projeto de lei que concede pensão especial á grande referência das lutas camponesas no Estado e vítima da ditadura, Manoel da Conceição.
- No domingo, 31 de abril, acontece, na Praça do letrado, bairro Vinhais em São Luís, “O que sobrou da ditadura e os novos autoritarismos”, com participação da ex-deputada Helena Heluy, do cantor e militante de Direitos Humanos Joãozinho Ribeiro, professora Arleth Borges e Joisiane Gamba, da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH).
- Na segunda-feira, 1º de abril, das 17h às 19h, o governo estadual promove, via Secretaria de Direitos Humanos e Participação Popular, mais uma versão do projeto Diálogos Insurgentes, no Auditório do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UEMA, na rua da Estrela, bairro da Praia Grande em São Luís: na ocaisão, haverá painel sobre os “55 Anos do Golpe Militar no Brasil”, com Helena Heluy, Adroaldo Almeida e Eurico Fernandes da Silva.
- Na cidade de Fortaleza/CE, haverá, no centro (concentração Rua Pereira Figueiras, 4), a partir das 16h, a Marcha do Silêncio: para que não se esqueça, para que não se repita,
Manifestações institucionais
Além dos atos por Memória e Reparação que foram potencializados pela ação presidencial em sentido contrário, várias foram as manifestações no âmbito de órgãos de justiça e demais entidades contrárias ao festejo do golpe.
- Procuradores da República (Ministério Público Federal) de Imperatriz, no Maranhão, instaurou notícia de fato fato com o fim de apurar a compatibilidade com o ordenamento jurídico de possível atos na cidade, custeados com recursos públicos, alusivos ao golpe de 1964. Diz a peça: “Considerando que, apesar de eventuais controvérsias ainda existentes, o próprio Estado Brasileiro e Cortes Internacionais já reconheceram que o movimento militar de 1964 foi um golpe que depôs um presidente legítimo e instaurou um regime de exceção que implicou a erradicação de liberdades democráticas essenciais, centenas de mortes, milhares de prisões políticas, tortura, além de outras graves violações de direitos humanos;
Considerando, assim, que qualquer comemoração alusiva à data realizada com recursos públicos (materiais ou humanos) é possivelmente incompatível com o ordenamento jurídico e pode implicar, inclusive, a prática de ato de improbidade administrativa por seus responsáveis;
Assinam o documento os procuradores Jorge Mauricio Porto Klanovicz, José Mário do Carmo Pinto e Rodrigo Pires de Almeida.
- Na Bahia, o Ministério Público Federal (MPF) também enviou recomendações aos comandantes da 6ª Região Militar, da Base Aérea de Salvador e do Comandante do 2º Distrito Naval para que não comemorem o golpe (veja mais AQUI).
- Defensoria Pública da União entra com Ação Civil Pública com Pedido de Tutela de Urgência ante as informações públicas repassadas pelo porta-voz da Presidência da República, que comunicou que o presidente refuta o termo golpe (além da determinação para que isso seja festejado). A ação visa a “impedir que a União pratique quaisquer atos inerentes à comemoração da implantação da Ditadura Militar, especialmente à utilização de quaisquer recursos públicos para realização de tais eventos, protegendo o erário e a moralidade administrativa”.
A peça da DPU destaca o que chama de “horrores da ditadura“, ressaltando “a gravidade das violações realizadas” no período: “Logo após a instauração do golpe militar no dia 1º de abril de 1964, foi registrada uma série de ocorrências. Entre elas, a prisão de mais de cinco mil pessoas, além de vários casos de civis que sofreram brutalidades e torturas por parte dos militares. Isso tudo só ao longo de abril, o primeiro de 240 meses de duração da ditadura”, diz o documento. Outro ponto enfatizado foi a suspensão de liberdades e garantias fundamentais, como o habeas corpus, com a edição do ato institucional Nº 5, em 1968.A ação relaciona em detalhes diversos casos de violência e abusos cometidos (a peça pode ser vista na íntegra ao final deste texto).
A ação civil pública lista as violações cometidas nas possíveis comemorações determinadas pelo presidente, entre elas, o princípio da moralidade, o direito à memória e à verdade, além do flagrante desrespeito ao Estado Democrático de Direito.
Assinam a ação os defensores públicos federais Alexandre Mendes, Alexandre Benevides Cabral, Amadeu Alves, Thaís Aurélia Garcia e Fernanda Cristinne de Paula.
- Procuradoria Geral da República: Nota Pública da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão
A Nota do Ministério Público Federal inicia com o destaque: “É incompatível com o Estado Democrático de Direito festejar um golpe de Estado e um regime que adotou políticas de violações sistemáticas aos direitos humanos e cometeu crimes internacionais“.
Na sequência, classifica como sendo de enorme gravidade constitucional e desrespeito ao Estado Democrático de Direito a pretendida comemoração a instauração de uma ditadura no país.
Para o Ministério Público, não há espaço para dúvida ou revisionismo histórico que o golpe de Estado de 1964 foi um “rompimento violento e antidemocrático da ordem constitucional”:
“Se repetida nos tempos atuais, a conduta das forças militares e civis que promoveram o golpe seria caracterizada como o crime inafiançável e imprescritível de atentado contra a ordem constitucional e o Estado Democrático previsto no artigo 5°, inciso XLIV, da Constituição de 1988. O apoio de um presidente da República ou altas autoridades seria, também, crime de responsabilidade (artigo 85 da Constituição, e Lei n°1.079, de 1950). As alegadas motivações do golpe – de acirrada disputa narrativa – são absolutamente irrelevantes para justificar o movimento de derrubada inconstitucional de um governo democrático, em qualquer hipótese e contexto.
Não bastasse a derrubada inconstitucional, violenta e antidemocrática de um governo, o golpe de
Estado de 1964 deu origem a um regime de restrição a direitos fundamentais e de repressão violenta
e sistemática à dissidência política, a movimentos sociais e a diversos segmentos, tais como povos
indígenas e camponeses”, diz a Nota Pública.
A manifestação do Ministério Público ressalta ainda a importância dos trabalhados desenvolvidos no âmbito da Comissão Nacional da Verdade, que, a despeito da disputa de narrativas, “nenhuma autoridade pública, sem fundamentos sólidos e transparentes, pode investir contra as conclusões da CNV, dado o seu caráter oficial”.
“De fato, os órgãos de repressão da ditadura assassinaram ou desapareceram com 434 suspeitos de dissidência política e com mais de 8 mil indígenas. Estima-se que entre 30 e 50 mil pessoas foram presas ilicitamente e torturadas. Esses crimes bárbaros (execução sumária, desaparecimento forçado de pessoas, extermínio de povos indígenas, torturas e violações sexuais) foram perpetrados de modo sistemático e como meio de perseguição social. Não foram excessos ou abusos cometidos por alguns insubordinados, mas sim uma política de governo, decidida nos mais altos escalões militares, inclusive com a participação dos presidentes da República”, assinala o texto.
Para o MPF, “A gravidade desses fatos é de clareza solar“. Além disso, “à luz do direito penal internacional, os ditadores brasileiros cometeram crimes contra a humanidade“, aponta o documento.
“Festejar a ditadura é, portanto, festejar um regime inconstitucional e responsável por graves crimes de violação aos direitos humanos. Essa iniciativa soa como apologia à prática de atrocidades massivas e, portanto, merece repúdio social e político, sem prejuízo das repercussões jurídicas”, alerta a Nota.
A manifestação se encerra lembrando que a celebração de um golpe de Estado e de um
regime marcado por gravíssimas violações aos direitos humanos é incompatível com o Estado Democrático de Direito. Assinam a nota os procuradores Deborah Duprat, Domingos Sávio, Marlon Weichert e Eugênia Augusta Gonzaga.
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Andes
O Sindicato Nacional repudiou em nota a tentativa de celebração do golpe, reforçando, além dos casos de mortos e desaparecidos civil e indígenas, a perda de direitos políticos de 4841 cidadãos, com cassações de mandatos, aposentadorias e demissões, dos quais 3873 eram funcionários públicos, sendo 72 professores e 61 pesquisadores.
“A sociedade civil brasileira não pode tolerar e aceitar que os retrocessos políticos com a ascensão ao poder da ultradireita recuem ao período em que as liberdades democráticas foram interrompidas“, dia a Nota da Diretoria do Andes.
A Nota destaca ainda os trabalhados da Comissão Nacional da Verdade, que “não podem ser rasgados”. Além disso, o Sindicato Nacional dos Docentes também constituiu uma Comissão da Verdade “para trazer à tona os crimes cometidos pelo Estado brasileiro contra professore(a)s, estudantes, servidore(a)s técnico(a)-administrativo(a)s das Instituições de Ensino Superior“.
“É preciso que o Estado brasileiro, na forma de suas instituições, façam valer os resultados da Comissão Nacional da Verdade, entregues em relatório final em 10 de dezembro de 2014, com 29 recomendações à União para o aprofundamento do Estado democrático de direito, reparando-se as graves violações aos direitos humanos e construindo uma cultura de paz e justiça. Somente com memória, verdade, justiça e reparação a sociedade brasileira estará alerta para o perigo do retorno de quebra das instituições democráticas. Manifestações que buscam revisar o passado recente para apagar das memórias as lutas que o povo brasileiro engendrou contra a ditadura empresarial-militar devem ser repudiadas por toda a sociedade”, afirma a Nota.
- Confira na íntegra a ação da DPU contra festejos da ditadura determinados por Bolsonaro (1), a manifestação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, órgão do Ministério Público Federal (2), e a Nota da Diretoria do Andes (3) sobre o assunto: