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Revisão do Plano Diretor de São Luís: advogado faz alerta para irregularidades no processo

Depois de um controverso conjunto de audiências públicas realizadas pela Prefeitura na tentativa de revisar o defasado Plano Diretor da capital maranhense, a proposta foi enviada à Câmara Municipal, que convocou 8 novas audiências públicas nas quais, em tese, a população teria a oportunidade de debater a questão.

As controvérsias, entretanto, prosseguem, num processo que desde 2015 tem as digitais da falta de democracia e da “mão invisível do mercado” – especificamente da construção civil e da indústria pesada com forte lobby junto a autoridades, atropelando discussões mais profundas para fazer aprovar um projeto que pode acabar com áreas de preservação como o Maracanã e diminuir toda a área verde na zona rural em mais de 40%.

Esses dados foram destacados pelo advogado Guilherme Zagallo, em entrevista concedida à RádioWeb Tambor na última sexta-feira, dia 1º, quando ocorreu a primeira destas 8 novas audiências, no IFMA Monte Castelo. A audiência seguinte ocorre já nesta terça, 5, às 19h, no Centro de Convenções da UFMA, no Campus do Bacanga. Inicialmente, esta estava prevista para o Centro Paulo Freire.

Como se pode perceber, chama atenção a pressa com quem são realizadas as audiências, o que denuncia um calendário açodado que limita a participação. Outro dado é a quase total falta de divulgação das audiências, sem chamada em rádio e TV (ao tempo em que peças publicitárias da Prefeitura e da Câmara sem a mesma relevância social pululam a todo tempo).

Dados defasados

Outro dado que chama atenção segundo o advogado e militante do Movimento de Defesa da Ilha é a utilização de imagens de dez anos atrás para elaboração da proposta. “Estamos projetando o futuro com dados desatualizados” alertou.

Uma das possíveis causas dessa defasagem, talvez, fosse encobrir a realidade e permitir uma alteração forjada do Plano Diretor da cidade. Um dos resultados disso é a redução de reservas ambientais da Ilha, permitindo sua ocupação por condomínios ou plantas industriais. Exemplo disso é que atualmente 40% da água consumida pelos mais de um milhão de habitantes não vem do projeto Italuís, sua principal fonte de abastecimento, mas é água subterrânea, e a proposta de revisão reduz a capacidade de recomposição dessas importantes reservas, através da redução da zona rural e consequentemente de uma importante área de carga de aquífero.

Zagallo anota dois beneficiados pela proposta, a exemplo da que fora barrada pela mobilização social em 2015: a indústria da construção civil e a indústria pesada.

Ele alerta ainda que atualmente os índices de poluição em São Luís já ultrapassam todos os limites legais, e uma proposta mais liberalizante nesse sentido pode comprometer ainda mais a qualidade de vida da população. Recentemente, a retomada da Usina de Pelotização da Vale acrescentou entre três e quatro mil toneladas de poluentes na Ilha. A geração de energia por termelétricas também avança no ambiente insular: além da hoje existente, que se utiliza da queima de carvão, tem outra prevista, a gás, também em São Luís. Segundo os dados oficiais, cita Zagallo, três poluentes já ultrapassam os limites de emissão legais na cidade.

Foto da Usina de Pelotização da Vale em São Luís, 2002. Imagem captada de um prédio no centro da capital maranhense.

“A proposta não melhora a cidade, ao contrário”

Zagallo explica que a alteração do Plano Diretor é apenas o primeiro passo dos agentes do capital em São Luís. O objetivo é, na sequência, assegurar a alteração na Lei de Zoneamento, Uso e Ocupação do Solo Urbano, essa sim, mais detalhada, capaz de alterar a utilização do território, permitindo, por exemplo, construções em áreas de preservação, e a instalação de empreendimentos degradantes num ambiente de equilíbrio ecológico delicado, que é o de uma ilha, tudo como forma de maximizar a exploração do espaço e das pessoas e com pouca ou nenhuma preocupação com o que deveria ser o objetivo de uma discussão dessas, que seria assegurar o direito à cidade.

“A proposta não é melhorar a cidade, pelo contrário. As indústrias que vêm para cá (com essas alterações) não podem fazer nos seus países o que fazem aqui”, diz.

Geração de empregos?

Um argumento utilizado pelos defensores de uma proposta que pode ser considerada degradante após essas explicações e refutado pelo advogado é o da geração de empregos. Segundo entidades como a Federação das Indústrias do Maranhão (Fiema) e Sindicato das Indústrias da Construção Civil (Sinduscon), que não escondem seus interesses diretos na alteração do Plano Diretor de São Luís segundo a proposta que, na verdade, é praticamente a mesma desde 2015, a “modernização” dessa lei tão importante permitiria gerar milhares de empregos.

Não é bem assim. Para se ter uma ideia, Zagallo traça um paralelo entre a área ocupada pelas indústrias atualmente e a proporção dos empregos gerados: enquanto ocupam 30% do território, elas geram 5% das vagas com carteira assinada segundo dados oficiais. “(O que querem é) produzir em um lugar em que a fiscalização ambiental é precária, não contribuir com a geração de empregos”, diz ele de modo direto. E prova com exemplos: a nova usina termelétrica, forma impactante de gerar energia, que está sendo planejada para São Luís, gerará, ao final, 85 vagas. “O futuro parece uma distopia, com piora significativa das condições de vida que já temos, principalmente para as pessoas que vivem no entorno da região industrial”, reflete.

Ilegalidades

Entre as irregularidades constantes da proposta levada à consulta nas audiências chamadas agora pela Câmara, está a quase total desconsideração das escutas feitas durante as audiências realizadas pela própria Prefeitura. As intervenções feitas pela população à época, mesmo com pouca participação,foram deixadas de lado: “é o mesmo projeto; apenas um artigo, referente à supressão do Sítio Santa Eulália, e um erro de grafia, foram mudados. Não adiantou de nada participar: a proposta é a mesma do começo do processo. A parte formal contém coisas que não podiam estar lá, (atinentes a) proteção de dunas, (do Sítio) Santa Eulália, Maracanã. Não pode alterar sem antes mudar a Lei Orgânica. Encostas e Nascentes são consideradas Áreas de Preservação Permanente. Não tem estudo técnico, não tem verificação de campo“, anuncia.

Ele também diz que, quando questionado, o corpo técnico da Prefeitura não consegue explicar a base técnica que utilizou para construir essa proposta de alteração (na verdade, uma busca rápida aponta as digitais da Fiema e do Sinduscon na gestação de várias propostas de alteração de Plano Diretor para atender seus interesses, através de “parcerias” com a prefeitura não apenas em São Luís mas também em outras cidades que devem ter esse tipo de lei, como Imperatriz). Sobre os questionamentos da sociedade civil que vem sendo feitos desde 2015 e que contribuíram para que uma proposta que possa significar esse nível de prejuízos não fossem aprovada a toque de caixa, ele lembra que, dado todo esse tempo e as intervenções feitas, “o município teve a chance de consertar isso, mas não o fez”.

Ele explica ainda que ninguém tem interesse em retardar a discussão de uma lei que já se encontra defasada, “mas não se pode aceitar esse número tão grande de ilegalidades“.

Alguns pontos de alerta da proposta

  • Redução “absurda” da Zona Rural (área verde da cidade) em 41%, “sem estudo técnico, com a indústria já saturada (limites de emissão de poluentes já ultrapassam o permitido legalmente): para ele, não se poderia aceitar qualquer proposta que acarrete em aumento das emissões sem antes baixar o que já está irregular. Zagallo lembra que enquanto se mede a emissão em toneladas, os impactos na saúde humana são medidos em microgramas; dissertações de mestrado, pesquisas, já identificam peixes como pescada amarela e bagre – que são de nossa ração diária, lembra o advogado – contaminados com metais pesados. “Tem gente adoecendo e morrendo por conta de poluição, seja no ar, seja na água”, alerta.
  • Maracanã: “Na prática, se aprovado, vai destruir por fim o que temos de Área de Proteção Ambiental do Maracanã. Destruição de áreas protegidas por lei, inclusive pela Lei Orgânica.

Possíveis razões para apressar o processo e aprovar a proposta

Com um número tímido de audiências para uma população na casa do milhão, e com um calendário apertado, Zagallo classifica a realização das consultas como uma “verdadeira corrida, uma gincana, que pode resolver o problema da indústria e da construção civil, mas não atende aos interesses da cidade”.

Entre as prováveis justificativas para “resolver logo essa fatura”, talvez o passivo político que ele pode gerar: com a aproximação do calendário eleitoral, tratar de uma questão que pode prejudicar a população em nome do benefício de poucos, o mais ideal seria “fazer logo”, antes de “colar” no tempo de campanha e prejudicar quem apoiou tal proposta.

Além disso, quase ninguém está querendo “dar as caras” ao lado da desfiguração do espírito do plano diretor (a ideia de uma legislação dessas seria contribuir e não prejudicar a qualidade de vida): na audiência realizada na última sexta-feira no IFMA, menos da metade dos vereadores compareceu. O prefeito, até agora, não parece querer fazer uma defesa mais incisiva de uma proposta cuja responsabilidade legal e política é sua.

A conferir, nas próximas audiências, e cobrar, participação desses agentes políticos na questão.

Eis o calendário das seguintes audiências públicas:

  • A segunda audiência pública acontece nesta terça-feira, dia 5, a partir das 19h, no Centro de Convenções da UFMA (a primeira, na última sexta-feira dia 1º, foi no IFMA Monte Castelo).
  • A terceira ocorrerá no bairro Pedrinhas, dia 9, sábado, a partir das 9h;
  • Em seguida, no dia 12 de novembro, terça-feira, a partir das 19h, no auditório da Cidade Universitária da UEMA.
  • No dia 16 (sábado), no bairro Itapera e localidades próximas, com início às 14h;
  • A sexta audiência ocorrerá na Assembleia Legislativa do Maranhão, dia 19, terça-feira, a partir das 19h.
  • Coquilho e outras comunidades vizinhas também situadas na zona rural: dia 23, sábado, a partir das 9h.
  • A última prevista será na Vila Maranhão, dia 26, terça-feira, com início às 18h.

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