A situação do covid-19 no Maranhão: análise e tendências emergentes
Saulo Pinto Silva[1]
A pandemia de covid-19 no Brasil teve início em 26 de fevereiro de 2020. Em pouco mais de 2 meses, temos hoje uma situação gravíssima, em razão da disseminação rápida do vírus pelo país e pela fragilidade do sistema de saúde em garantir tratamento adequado à população, sobretudo os setores mais vulneráveis que são dependentes diretos dos serviços públicos. Temos, então, uma crise que já era grave pelas suas próprias razões epidemiológicas, e que se aprofundou ainda mais quando defrontada com o escândalo cotidiano normalizado de um país tão fortemente desigualitário.
A situação com base nos últimos dados oficiais disponíveis – do dia 12 de maio de 2020 – é de 177.589 casos acumulados de covid-19, com 12.400 óbitos, taxa de mortalidade de 5,9 e taxa de letalidade de 7,0%. É necessário dizer aqui que estamos justamente no processo ascendente da curva de contaminação. O Brasil é o 6º país com mais óbitos por covid-19 no mundo, com a diferença que a maioria dos países se encontra num ritmo de desaceleração da contaminação. O quadro da distribuição da covid-19 no país apresenta uma situação dramática, enquanto o governo Bolsonaro – num caso atípico no mundo inteiro – faz zombaria dos óbitos e da necessidade de fortalecimento do combate à pandemia:
Tabela sobre casos, óbitos, incidência e mortalidade
Casos | Óbitos | Incidência/100mil hab. | Mortalidade/100mil hab. | |
Brasil | 177.589 | 12.400 | 84,5 | 5,9 |
Sul | 8.556 | 297 | 28,5 | 1,0 |
Sudeste | 74.727 | 6.216 | 84,6 | 7,0 |
Centro-Oeste | 5.090 | 129 | 31,2 | 0,8 |
Nordeste | 58.316 | 3.568 | 102,2 | 6,3 |
Norte | 30.900 | 2.190 | 167,7 | 11,9 |
Fonte: elaboração própria a partir dos dados disponíveis no sítio do Ministério da Saúde.
Nesse sentido, a Fiocruz publicou estudo que demonstra que, nas duas últimas semanas, houve um aumento em torno de 50% de novos casos nas cidades que têm até 20 mil habitantes. A pesquisa agrupou os municípios brasileiros em “redes de atendimento em saúde”, sendo que elas foram classificadas em baixa, média e alta complexidade, considerando os parâmetros constantes de número de médicos, de leitos de UTI e número de respiradores e ventiladores. A conclusão não poderia ser mais aterradora, ou seja, nos municípios com até 20 mil habitantes os casos de covid-19 passaram de 3,7% para 22,2%; nos municípios entre 20 e 50 mil o índice foi de 7,3% para 48,4%; nos de 50 a 100 mil moradores o percentual subiu de 15,8% para 68,4%; nos de 100 a 500 mil o índice foi de 34,1% para 92,1%; e nas cidades de mais de 500 mil habitantes tivemos um incremento de 30,3% para 100%.
Por que esse dado é preocupante no caso do Maranhão? Segundo o censo de 2010, 62,67% dos municípios estão agrupados na faixa populacional de até 20 mil habitantes, embora isso represente cerca de 25,85% da população. Temos hoje no Maranhão casos confirmados em 167 dos 217 municípios do Estado, isto é, 76,9% dos municípios existentes. O Maranhão tem hoje 8.526 casos confirmados, 423 óbitos, incidência de 120,5 contaminados por 100 mil habitantes, taxa de mortalidade de 6,0 e taxa de letalidade de 4,9%. Mesmo com a adoção de medidas mais duras de lockdown e rodízio da frota ativa de veículos, os dados extraídos do Índice de Isolamento Social indicam que temos apenas 48,9%. Estamos bem distantes do percentual aceitável para uma situação crítica, que é delimitado em torno de 70% de isolamento social. Na prática, as medidas do governo não têm impactado de maneira mais decisiva sobre a redução da circulação das pessoas, logo, sobre a circulação do vírus. Aspectos culturais e a presença de teorias negacionistas adotadas pelo governo Bolsonaro contribuem para o relaxamento social das pessoas comuns.
Pegando a variação da contaminação – que é uma forma de localizar a circulação da covid-19 pela população – e dos óbitos nos últimos 30 dias, podemos verificar que no dia 12 de abril tínhamos 445 casos e 27 óbitos no Maranhão. 10 dias depois, dia 22 de abril, os números da covid-19 se alteraram para 1557 casos e 76 óbitos, ou seja, um índice de 349,88% nos casos confirmados e 281,48% dos óbitos. Seguindo a sequência, dia 02 de maio foram confirmados 4.040 de novos casos e 237 óbitos. No dia 12 de maio, foram 9.112 casos confirmados e 444 óbitos. É possível perceber que em 30 dias a variação foi de 2.047,6% nos casos e 1.644,4% nos óbitos.
Diante dos números que atestam a evolução da covid-19, o Maranhão é o terceiro estado com mais casos e óbitos no nordeste, ficando atrás apenas do Ceará (18.412 casos e 1.280 óbitos) e Pernambuco (14.304 casos e 1.157 óbitos). No comparativo com o país, o Maranhão está na sexta colocação, atrás de São Paulo (47.719 casos e 3.944 óbitos), Rio de Janeiro (18.486 casos e 1.928 óbitos), Amazonas (14.168 casos e 1.098 óbitos) e os estados do Nordeste já citados. A pergunta decisiva aqui é: até quando vamos suportar o crescimento da curva de contaminação e de óbitos?
Tudo indica, segundo as projeções mais consolidadas, que o pico da pandemia no Brasil está no intervalo entre maio e junho. Com efeito, podemos dizer que a taxa de mortalidade no Brasil é semelhante à taxa dos EUA. A última projeção publicada pela Universidade Johns Hopkins (EUA) em colaboração com pesquisadores brasileiros, estima que o número de infecções no Brasil pode chegar a 1,6 milhão. O estudo destaca o hiato entre a circulação do vírus pela população e a notificação dos infectados, que se explica pela baixíssima relação de testagem. O Brasil testou apenas 1.600 por milhão de pessoas. Nos EUA, por exemplo, até agora foram feitos 20.200 testes por milhão, enquanto a Europa testou 30.000 por milhão. Outro grupo de pesquisadores da Unesp e Universidade de Oxford simulam até 64.310 óbitos no Brasil até o dia 09 de junho, no caso de uma projeção mais pessimista, e até 31.384 num cenário mais otimista.
Não é possível ainda dizer o impacto das medidas mais recentes adotadas do Maranhão. Mas, a experiência internacional que a flexibilização das medidas de relaxamento social potencializam a circulação do contágio. Temos que partir da situação gravíssima que enfrentamos hoje no Maranhão, ainda mais diante da nossa situação social crítica. Os dados mostram que 54,1% dos maranhenses vivem com menos de R$ 406 por mês; além disso, mais de 81% não têm acesso a saneamento básico adequado, contra a média nacional de 35,9%. Para 29,2% dos maranhenses, não há abastecimento de água tratada. Como podemos ter a adoção em larga escala de home office na realidade do Maranhão, quando o Estado tem o maior percentual de trabalhadores informais do país: temos 64,9% dos trabalhadores ocupados, em dados de 2018. Outro dado importante é que apenas 300 mil pessoas têm acesso a planos de saúde, de uma população de cerca de 7 milhões de pessoas.
É mais do que necessária a solidariedade de classe com os mais vulneráveis neste período difícil. A defesa da vida e da dignidade devem ser preponderantes em contraste aos interesses do governo genocida liderado por Bolsonaro. Ele fala que hoje devemos salvar a economia – diga-se de passagem, os interesses do grande capital monopolista –, pois as pessoas vão ser contaminadas de qualquer maneira. A experiência internacional nega imediatamente essa afirmação falsa com inúmeros exemplos importantes. Num país minimamente democrático, a morte de qualquer cidadão deveria ser razão de tristeza e vergonha coletivas, ainda mais quando isso é resultado da negligência política intencional do governo. O trauma que experimentaremos após a passagem da “peste” é impensável, incalculável. É por isso que é tão importante a reflexão crítica sobre a culpa política. Assim, o ato de solidariedade autêntica agora é cumprir com rigor e disciplina as orientações dos órgãos de controle para salvar a si e evitar a circulação do contágio. Os direitos da vida são preponderantes diante dos interesses econômicos que deveriam estar suspensos. A pergunta de Albert Camus é ainda decisiva: ‘O que dizer então daquele que vai morrer, apanhado na armadilha por detrás das paredes crepitantes de calor, enquanto, no mesmo minuto, toda uma população, ao telefone ou nos cafés, fala de letras de câmbio, de conhecimentos ou de descontos?’. A espetacularização da produtividade intelectual é exemplo máximo da pergunta de Camus. É preciso suspender o que estrangula, pausar a histeria que nos impele a agir.
[1] Professor do Departamento de Economia da Ufma.