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Docentes criticam ensino remoto excludente e sem planejamento: acompanhe um pouco dos detalhes do II Encontro Virtual Docente

Aconteceu, na tarde desta terça-feira, 19 de maio, o II Encontro Virtual Docente, convocado pela Apruma em caráter emergencial para discutir o posicionamento da categoria sobre a Resolução UFMA-CONSEPE 1999/2020, editada no final da tarde do dia anterior, prevendo a instalação de um período especial a ser ofertado a partir de 5 de junho como forma de abreviar o retorno das atividades de ensino em meio à pandemia – que infelizmente segue em curva ascendente.

Proen na Rádio

Antes do Encontro Docente, na manhã desta terça-feira, a pró-reitora de Ensino, professora Isabel Ibarra, foi entrevistada pela Rádio Universidade FM, onde falou sobre a Resolução.

Na entrevista, a pró-reitora creditou ao Comitê de Crise, instituído na Universidade para tratar das providências em meio à pandemia, a proposta de retomada das atividades de ensino por meio remoto. Segundo ela, a base desse retorno é a pesquisa sobre inclusão digital feita com a comunidade acadêmica sobre o acesso às Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC). Ela disse que a suspensão do calendário na Universidade findou-se no início desta segunda quinzena de maio, segundo as resoluções que a estabeleceram. Falou disse ainda que o calendário previsto na Resolução 1999 é experimental, e a adesão de docentes e discentes às suas atividades seria voluntária, com as atividades sendo desenvolvidas com base em ferramentas de ensino remoto.

Segundo o cronograma estabelecido pela normativa, o período que se estende até 5 de junho seria destinado ao planejamento das atividades, ficando a cargo das coordenações de curso e respectivos departamentos as formas de estabelecê-las, de acordo com as regras estabelecidas na resolução.

As atividades propriamente ditas seriam desenvolvidas de 15 de junho a 18 de julho, com caráter não-obrigatório, ficando a cargo dos órgãos de ensino à distância da Universidade e da PROEN a capacitação da comunidade para que elas possam ser desenvolvidas. A pró-reitora ressaltou que essa modalidade de ensino seria emergencial, embora reconheça que uma parcela considerável dos estudantes não tenha acesso às ferramentas para tanto. Uma das alternativas que ela apontou seria a compra pela instituição de chips e tablets. Importante anotar também que, segundo sua fala, essa experimentação poderia embasar novas ofertas com caráter de ensino híbrido, mesclando as modalidades presencial e à distância. Embora o calendário já esteja estabelecido, a pesquisa que teria servido de base para isso prossegue até o dia 30 deste mês. A Resolução 1999 pode ser acessada ao final desta matéria.

Encontro Virtual

O II Encontro Virtual realizado pela Apruma bateu o recorde de participação de sua primeira versão, que já havia contado com um bom saldo de presentes. Desta vez, aproximadamente 150 professores não apenas acompanharam as discussões como apresentaram, praticamente durante toda a tarde, suas impressões sobre a medida. O professor Bartolomeu Mendonça, presidente da Apruma, iniciou o encontro lembrando as bandeiras históricas do Andes e da Seção Sindical pela defesa da qualidade do ensino, bem como da participação inclusiva da comunidade acadêmica nesta jornada. “O que está sendo proposto preserva estes pressupostos? Esse é o nosso questionamento aqui”, pontuou.

Após a saudação, foram feitas duas falas introdutórias ao tema, pelas professoras Silvana Martins, do Departamento de Educação Física, e Cacilda Cavalcanti, do Departamento de Educação II. Ambas compõem o Grupo de Trabalho de Política Educacional (GTPE), da Apruma, entidade da qual Cacilda é vice-presidente.

Ad referendum

Silvana ressaltou o caráter compulsório do isolamento social, e que isso não pode ser visto como privilégio ou desocupação. Ela lembrou que o trabalho docente nas Instituições de Ensino Superior (IES) não está circunscrito ao Ensino, e que mesmo esta atividade não se resume a ministrar aulas.

A professora destacou que, mais uma vez, uma resolução é editada ad referendum, sem qualquer reunião do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe) da Universidade. Para ela, a pressa em tentar estabelecer um calendário de atividades sem um planejamento mais aprofundado e mesmo sem a participação efetiva da comunidade acadêmica e de seus colegiados parece uma tentativa de dar uma justificativa ao Ministério da Educação (MEC), que vem pressionando pela retomada das atividades nas instituições de ensino. E questiona: “Já foi respondido sobre a exclusão digital dos alunos? A própria UFMA informou que a pesquisa sobre este assunto estará em andamento até 30 de maio. Se está em andamento, não fundamenta a Resolução”, conclui. Outra contradição que ela expõe diz respeito às atividades previstas de retomada pela normativa, como é o caso da orientação de estágio, vetada para todos os cursos pelo próprio Ministério.

A professora deu informes sobre a reunião, havida ainda na manhã desta terça-feira, do Colegiado do Curso de Licenciatura em Educação Física em que a tentativa de retorno prevista na Resolução havia sido debatida: lá, houve a deliberação de que os docentes não deverão solicitar disciplinas para serem ministradas nesse período especial por não verem justificativa para o estabelecimento desse calendário neste momento. Ela pontuou que todo o corpo docente da Universidade foi surpreendido pela publicação da Resolução 1999. Na manhã desta quarta-feira, a Apruma tomou conhecimento que mais duas instâncias do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS) também decidiram não ofertar disciplinas no período previsto pela nova resolução: o curso de Farmácia e o Departamento de Ciências Fisiológicas não deverão ceder ao trabalho remoto da forma prevista pela normativa.

Medida alinha-se à postura antidemocrática da atual gestão do MEC

A professora Cacilda contextualizou a Resolução, relacionando-a à política educacional do MEC, a qual a atual Administração da UFMA deu sinais, desde o início, estar alinhada. Ela alertou para a abertura proporcionada pela medida à instituição do ensino híbrido, o que pode ser notado inclusive na fala da pró-reitora, na entrevista concedida pela manhã. “Pode ser laboratório para outras ações do tipo”, ressaltou Cacilda.

Ela lembrou que interesses privados pressionam pela massificação do ensino à distancia (EaD), o que deve levar a comunidade a refletir não apenas na resolução em si, mas em todo o contexto no qual ela se insere.

Como Silvana, ela também chamou atenção para a tentativa de implementação de uma normativa, via Consepe, sem que este Conselho tenha se reunido. Para ela, é grave tomar uma decisão dessas sem debate.

Professores e professoras se pronunciam

As falas introdutórias serviram de estímulo ao debate que se seguiu.

A professora Rosilda Dias, do Departamento de Enfermagem, fez coro à falta de consulta ao Conselho: “Não tem viabilidade de o Consepe se reunir remotamente, mas pode publicar uma resolução dessa, cheia de lacunas?”, questionou.

Como a Licenciatura em Educação Física, o Departamento de Enfermagem também esteve reunido pela manhã para tratar do assunto. Na ocasião, deliberou-se por levar ao Encontro promovido pelo Sindicato a posição pela revogação da medida, para que a Apruma busque meios de lutar por isso. A professora Rosilda informou que seu Departamento já se colocou à disposição para contribuir com o Comitê de Crise, mas ficou sem retorno, até o momento, por parte da Administração Superior. A professora Elza Lima, também da Enfermagem, corroborou as informações repassadas por Rosilda, de que a posição do Departamento é pela revogação da Resolução. Sirliane Paiva, também do curso de Enfermagem da UFMA, por sua vez, confirmou que o Departamento, em Carta Aberta a diversas instituições do campo da Saúde e à própria UFMA, colocou-se à disposição para colaborar, mas que segue sem resposta (veja link para o inteiro teor do documento ao final da matéria).

Para Rosilda, a indicação da Licenciatura em Educação Física, informada pela professora Silvana, pode apontar para os demais um caminho, ao decidir não ofertar disciplina para o período especial previsto pela normativa.

Denise Bessa, do Departamento de Psicologia, alertou que, como colocado por Cacilda, a Educação Superior Pública está na mira dos grandes conglomerados privados do setor, e qualquer medida que introduza facilidades de adequação a um possível cenário de privatização, como a utilização da EaD em larga escala, deve contar com todas as ressaltas. Ela informou que os estudantes do curso, que estiveram representados na reunião de seu departamento, se posicionam majoritariamente por rejeitar o retorno por via remota neste momento, como previsto na normativa.

Jean Marlos, também da Psicologia, atentou para a contradição entre as duas resoluções que tratam de calendário acadêmico em meio à pandemia, editadas recentemente: “A 1998 e a 1999 se contradizem e revelam a falta de planejamento prévio”. Para ele, é correto o posicionamento pela não-adesão tanto por docentes quanto por discentes, sendo que um grande número de alunos pode sequer responder à pesquisa por falta de recursos para pôr créditos em seus dispositivos. Ele corrobora com a posição trazida pela Enfermagem de que a Apruma deva construir um documento que aponte nesse sentido.

Denise informou ainda que a posição preliminar da Psicologia sobre o tema é de seguir com o que já em sendo feito, em termos de orientações de atividades complementares, como seminários e a realização de reuniões, sem apontar para a oferta de disciplinas no calendário especial. Ela lembrou também a lacuna das normativas em relação ao trabalho dos professores substitutos.

Algo que chamou a atenção da professora Mary Ferreira, da Biblioteconomia, foi a forma como a normativa deixa em aberto, escancaradamente em aberto, a adesão da comunidade ao calendário especial, sem critérios claros. Para ela, não pode ser assim numa instituição pública, além de que, no âmbito da Universidade, as decisões devem ser coletivas. Para ela, a resolução se baseia em uma pesquisa com problemas metodológicos. “Sugiro que o Sindicato construa uma pesquisa que de fato aponte a real situação do momento”, apontou, dispondo-se a contribuir em sua elaboração, afirmando que também é preciso cobrar que se ouça adequadamente a comunidade acadêmica e que se aprofunde a discussão.

Rosemary Silva, do departamento de Educação I, ressaltou que a resolução se propõe a alterar a modalidade de oferta do ensino, o que altera a modalidade de formação, “altera a concepção de formação que a Universidade vem desenvolvendo”; com isso, a professora faz ressalva a uma questão profunda de mudança nos sentidos acadêmicos proposta pela medida, que vai além de uma retomada sem preparação adequada, o que por si só já deveria ser evitado, haja vista afetar a qualidade da Educação, como questionado pelo professor Bartolomeu no início. “Não é simplesmente mandar texto pela Internet”, criticou, lembrando que a EaD parte de pressupostos que não estão dados pela medida, que deve, segundo ela, “ser rechaçada, sim, e que se discuta outra concepção de oferta”.

O professor Thiago Santos, do Colégio Universitário (Colun), destacou o receio que a adoção desse calendário especial, que se apresenta como sendo não-obrigatório, pode causar em meio aos docentes, notadamente os que ingressaram mais recente, que, ao não aderir, podem passar a ser vistos como trabalhadores que se recusam a contribuir. Preocupação semelhante foi expressa pelo professor Francismar Rodrigues, da Engenharia Mecânica.

A professora Madian Frazão, do Departamento de Sociologia e Antropologia (Desoc), corroborou com os elementos trazidos, de início, por Silvana Martins, de que a medida parece ser um jeito para dar alguma satisfação aos órgãos de controle. A preocupação com as pressões dos órgãos de controle pela retomada das atividades também apareceu na fala do professor John Kennedy (Desoc), para quem foi dado, a essas instituições, o poder para monitorar a Educação Pública.  Silvana, por sua vez, lembrou que, ainda assim, a resolução é descabida, pois o próprio MEC mantém a opção de suspensão das atividades durante a pandemia. Kennedy também corroborou com os entendimentos de que a Administração Superior assumiu uma posição autoritária ao estabelecer uma resolução através de uma metodologia antidemocrática. Para ele, tem que se forçar a abertura de canais de consulta e a convocação do Consepe.

Para o professor Davi Andrade, do curso de Turismo e Hotelaria, mesmo atividades vistas como tendo um caráter complementar, como palestras e seminários, previstas como possíveis de serem desenvolvidas no período especial estabelecido pela resolução, devem ser vistas com cuidado, para que não se desenvolva um trabalho sem amparo legal, lembrou, reportando-se ao estágio como exemplo: mesmo previsto na normativa, o estágio é vedado pelo MEC para ser desenvolvido no atual cenário.

O professor Waldílio Sousa, do Campus Codó, foi enfático ao defender o rechaçamento da resolução. Para ele, tem que se exigir tempo para debater. A medida, ao ser tomada de forma que soa muito fortemente intempestiva, revela ter sido adotada sem planejamento (algo denunciado em diversas manifestações durante este Encontro), e sem garantia de infraestrutura para sua implementação. Outro professor que também se posicionou nessa linha foi Tarcísio Ferreira, da Educação Física: para ele, a resolução deve ser revogada e cancelado o período 2020.1 (a Administração manifestou que decidirá sobre 2020.1 posteriormente).

O professor Jesus Marmanílio, de Imperatriz, por sua vez, foi mais um dos que asseverou que a implementação sem consulta é um desrespeito aos professores e professoras, opinião igualmente dividida pelo professor Fernando Pedro, da Engenharia Ambiental e Sanitária. É o que aparece, também, nas declarações de Micael Carvalho, professor do Colun e secretário geral da Apruma: ao destacar o Encontro Docente como um importante espaço de escuta coletiva sobre a questão, ele enfatizou que a forma como a resolução foi editada fere a democracia interna no espaço da Universidade, e que as unidades e subunidades acadêmicas não tiveram tempo sequer de discutir a minuta, transformada imediatamente em resolução. Nesse sentido, muitos foram os relatos de docentes, mesmo nas assembleias de departamento, que somente descobriram que o que estavam analisando não era mais uma minuta em consulta, mas uma resolução publicada, surpreendendo a muitos durante as reuniões de departamento.

Ao analisar as manifestações das dezenas de docentes durante o Encontro, e os relatos de posições semelhantes entre os estudantes, o o professor Odair Monteiro, do Departamento de Química, pôs em xeque a divulgação feita pela Universidade de que até o momento 70% da comunidade se mostra favorável ao retorno remoto de acordo com o previsto na resolução. “As falas aqui apontam, majoritariamente, em outra direção”, observou. Ele destacou ainda que o período especial proposto nessas condições tem um caráter excludente, especialmente para a comunidade dos campi do continente. O professor Horácio Antunes (Desoc) concordou que a oferta de disciplinas nesse período especial aumenta as desigualdades. Para ele, é necessário que o Sindicato pleiteie um assento no Comitê de Crise.

A professora Joana Coutinho, também do Desoc, lançou questionamentos quanto ao que considera “nós” na resolução, que não diz como poderão ser realizadas nem registradas as atividades desse período. A mesma dúvida preocupa a professora Socorro Pinheiro (Oceanografia e Limnologia), que aponta a lacuna sobre como essas atividades serão registradas.

A professora Marizélia Ribeiro (Medicina III) trouxe um dado que chamou a atenção dos participantes do II Encontro Virtual: a previsão regimental de recurso ao Conselho Universitário (Consun) sobre a medida. Ao ser questionada na instância mais importante da Universidade, a questão ganha um relator, que deve analisar a fundo o assunto. A sugestão dos presentes foi de que o Sindicato lance mão deste instrumento, que tem o prazo de dez dias para ser acionado, a contar da data de publicação da resolução, que ocorreu ao final desta segunda-feira, dia 18.

Embora os participantes tenham divergido pontualmente sobre uma ou outra medida a ser adotada pela sua entidade representativa em relação à questão, praticamente todos os professores e professoras que se manifestaram, entre os cerca de 150 que participaram do Encontro, teceram críticas ao retorno imediato e sem estrutura que a Resolução 1999 pretende estabelecer. No meio estudantil, como informaram vários docentes, o questionamento também não é pequeno. Ao final, o professor Bartolomeu indicou que a Apruma vai sistematizar todas as manifestações expressadas nessa oportunidade, e elas subsidiarão com robustez a posição do Sindicato sobre o assunto. A seguir, um quadro com as principais indicações do II Encontro Virtual Docente, boa parte delas tendo apresentado consenso (em destaque):

  • Cobrar convocação do Consepe;
  • Reivindicar aprofundamento do debate sobre possível adoção remota do retorno das atividades, nas unidades e subunidades;
  • Reivindicar assento da Representação Docente (Apruma) no Comitê de Crise
  • Recurso ao Consun
  • Construir um efetivo processo de pesquisa/consulta à comunidade acadêmica sobre sua realidade x possibilidade de implementação de ensino remoto
  • Revogação/Rechaço da Resolução 1999
  • Indicar aos departamentos que não ofertem disciplinas para o período especial
  • Cancelamento do semestre 2020.1
  • Elaboração, pelo Sindicato, de um documento que defenda a revogação da medida, a ser encaminhado para a Administração Superior
  • buscar canais de diálogo sobre o assunto.

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